terça-feira, 2 de outubro de 2012

Que a ficha (limpa ou suja) caia.

Não existe alternativa
p'ra essa democracia
tradicional, neo-liberal;
a eleição do jornal
é a voz do povo, e a pesquisa
direciona a escolha divina
de duas ou três figuras,
inaugura a nova moldura,
pasteuriza anseios, minimiza
devaneios ideológicos.

Fidalgos, empresários,
industriais e sujeitos
normais, passíveis de desejos
de posse, de poderes
imperiais, podres facetas,
facilidades em terras de zé
ninguém, embelezam suas faces,
escancaram vergonhosas, falsas
qualidades incomuns ao cidadão
coletivo, vivo e impotente.

O apelo é grande, empurrado
guela abaixo no consumidor
de televisão e rádio; o modelo
de representatividade é fantasioso,
na verdade, um gostoso sabor
de isenção, transferência
de responsabilidade, dentro
das mudas bocas da enorme
maioria de zumbis-alienados,
ensinados a respeitar o trabalho vão.

Falta pão nesse circo, sobra
mão nessa massa violada, renda
acumulada, mentira deslavada,
lavagem de dinheiro e p'ra comer;
o chiqueiro está cheio de porcos
famintos por algum privilégio,
algum colégio eleitoral
que chancele a farra toda; a marra
que não sai de moda, que as fracas
garras da opaca lei não querem punir.


Publicado originalmente em 17/09/2010 em "Le Cadavre Exquis" (http://bundalelecadavreexquis.blogspot.com.br/2010/09/eleicoes.html)

terça-feira, 31 de julho de 2012

Me ouves?

É de morrer de angústia,
é de ficar à ústia, por dentro;
da casa-razão desertar, megulhar
no deserto de boas intenções.

É de tomar sermões como verdades;
como vaidade, tomar cerveja, tomar
da cereja o bolo, tomar milhões 
de tolos como mestres da sabedoria.

É de levar no dorso, de sentir 
remorso; de ficar no encalço 
e perder a trilha; de aportar
o casco e dormir na ilha.

Piano, piano, si va lontano:
é demasiado-lento, nada suave,
réquiem para a infância...
Edipiano.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Bota fé.

Joga-te ao campo, corre,
conhece os cantos, os meios
de fazer a jogada
e chutar para o gol.

Lança-te à frente, conta
com a gente que te quer;
contigo está a bola
e faz o que puder com ela.

Faz carinho, dá carrinho
no adversário, abala
a confiança rival:
deposita esperança nesse pé.

O jogo é como é, mas bota
rumo nesse passe, bota
veneno nesse levantamento
de bom destino.

Perder é normal, mas tua bola
é pra mais, tua bola ganha
o mundo, se, a veras, quer.

Bota fogo no clássico,
bota a bola no chão:
bota fé.

terça-feira, 12 de junho de 2012

É.

ao nosso amor.

Não tem fonema, sílaba,
guia, artigo, teorema;
não tem fim, não há
meios fiéis de descrição;
não há passo, retruque
ou ação que limite;
não há borda, fronteira;
não tem eira nem beira, 
é só núcleo: é só. Nu.

É antigo e novo, é presente,
é futuro, é maior que o passado, 
é moderno e rebuscado; 
é assunto, título e tema, 
muita prosa - nem te conto - 
é poema, livre e rimado, 
misteriosa escansão; é alexandrino,
é martelo, é sáfico, heróico,
é bárbaro!

Não tem volta, é verdade;
não tem choro, é vela acesa
e o fogo queimando em perfume;
é refresco, é cachaça, é costume;
não tem rotina, é mais do mesmo,
é cada vez melhor e diferente;
é constante, é intenso, é suave,
não tem pressa, é liberdade...
O que sinto por ti.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Vão.


Há um vão sujeito;
um fosso entre os tecidos,
que vão dos ouvidos aos pés,
percorrendo a ociosa musculatura
e pouco espiam pelo fio da fechadura
que aprisiona os livres anseios
detrás da porta-realidade.

Vão entrando, vão adentro,
os raios de luz - e desenham
algum rumo na parede de sombra
do quarto vazio de esperança,
cheio de mórbida lembrança
das intermináveis noites
na solitária-multidão.

Vã desilusão, posto que o destino
sempre ali esteve, sorrindo,
pedindo-me a mão, bailando
ao passo da moda, fazendo
a roda-vida girar, viva,
frenética, brilhosa,
como deve ser.

Que seja vida esse vão:
que seja breve esse rito,
seja ouvido o meu grito,
infinito o teu pão, o meu teto;
que seja afeto teu sussurro aflito
ao pé d'ouvido - que seja envolto em fé.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Por quê?

Tão bem quanto o sapo,
conhece esse caco
de homem o brejo:
no ensejo do drama,
a fome de sobrevivência -
na lama - mostra a essência
que dorme em macio leito.

Por um fio, não tem jeito
esse homem: essa raspa
de coragem, em seu peito,
não ameaça a tirania
da farsa - em projeto -
do trato feito com a massa
sedenta por pseudo-justiça.

A cobiça já é traço de ímpeto,
persistência: a perseverança
se envolve em atropelamento
e a apelação é concedida -
ao invés de detenção, apenas
punição pecuniária.

A batalha é diária, travada
em vedados ringues, fechados
em vidros escurecidos, laminados,
refrigerados por compressores
de ar e emoção: amplificados
em petrificadas psiquês.

Por quê?