terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cento e dois pés.

Duplo-núcleo, duro
de entender, de ouvir;
furo de notícia: plano
furado, caô deslavado,
furor revelado às cegas
- sem regras, vives livre,
caminhas de ponto em ponto
sem notável sinal de passagem.

Tua abordagem: irretocável
trabalho em madeira envernizada,
tratada no tempo a peroba; toda
bóia é chance, todo alcance é válido
e, assim, é eternizada tua fama mutualista;
faz tua cama, põe tua mesa, dá-te espuma e banho;
estranho modo de ser, em que tudo é sabor, nada é saber.

Humanista sem causa, com as calças na mão; com as falsas promessas
de ontem, não dás solução ao esquema-esquemão; logo cais na imensidão
das relíquias-verdades de outros mares; navegas, te apegas aos terços,
ao berço da forjada emoção - forçada gratidão por tudo o que nunca
terás - remarás, remarás e jamais atingirás a borda; ficarás,
pobre, à deriva; a bordo do teu próprio velho-podre casco.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Malícia.

Tenhas modos: modules
tua voz ao te dirigires;
formules sentenças moldadas
na ponta de tua língua e te vendas
como queres; mas, te queiras dos olhos
de quem compra-te por voluptuoso desejo.

Sejas polido no início, suavemente raso,
incisivo na ideia central; verdadeiro
na (co)medida-sedutora-falsidade, cru
na essencial indecência da hora
-pode ser agora, se quiseres-
e mires sempre o teu real.

E a realidade vem cega, vil,
viril, animalesca, sedenta,
sangrenta, às vezes, vulgar;
tudo é lugar p'ra tudo, não há
escudo pr'alma nesse saboroso
duelo de tara; elo de rara malícia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sonomalemolência.

Nervoso, o impulso erra
o alvo; torna-se avulso
o diário calvário; confuso
itinerário de ruas sem saída;
uma noite perdida e um dia
condenado, em desuso; abuso
de inútil esforço; aleatório
remorso; notório pesar de existir.

Já se foi a feira, a derradeira
noite e a segunda, inundada
em água e angústia; ânsia
por descanso e recomeço,
pelo próximo e certeiro passo;
que não seja vã mais essa
página do vigésimo-oitavo
capítulo deste livro inacabado.

Está baixa a maré; parece
navegar de marcha à ré
toda a trama; converte-se
em drama a comédia de ser,
e nada construo, desde então,
senão um edificante desprazer
representado em alguns pares
de versos: anexos à minha dor.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Bill.

Billy, the fire, burns;
queima como queimada na fauna
intestinal; aflora tudo
o que é desconforto externo,
interno, paralelo; rejeita
a travessa de frutos silvestres
e a carne virgem e macia.

À noite, repousa o tronco;
tora verde, não-combustível
a esse fogo iminente
que, quando vem, torra tudo
o que vê pela frente, por trás
dos panos, cortinas, lençóis;
fervente energia equivalente
a nove sóis a pleno vapor.

Não sente dor, nem prazer;
apenas mantém as vitais funções;
a duras penas, obtém permissões
de parcial usufruto do corpo
que habita, do espaço que orbita,
da alma que, livre, levita
no antigo cenário de carnais
diversões, inúteis ilusões;
questões como "ser ou morrer".

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Urgente.

O reflexo corre atrás
do sujeito, escorre
em tom escuro; o batom
rubro-forte, vivo, marca
o carnudo lábio; suga,
de canudinho, toda sorte
de clareza, discernimento;
o tormento não tem começo;
não há destreza que evite
o tropeço, e a morte social
não encerra o assunto
e nem decreta o lamento final.

Todos juntos na mesma
semana - convencional,
humana marcação de tempo -
e o quadro de sete dias
na mesma cena; solução e problema
em muitas cores, diversas
dores delimitadas; partes
perversas, fincadas no ser,
intercaladas por curtos momentos
de real prazer; tridente hedonista;
estandarte da percepção egoísta;
pra consumir e consumir-se.

Quero sumir; quero ficar
em casa, subir e descer
as escadas do prédio,
largar a rasa mania
de ser médio em tudo;
ser grande em mim, fazer
cinema mudo de minhas curtas
metas, guiar-me por vias
de razões concretas, emoções
traçadas, repletas de consolidados
conceitos, perfeitos dados
de fácil comprovação e compreensão.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

No "front" (Nu frontal).

Afrouxar esse nó; deixar
de ser frouxo de uma vez
por todas; provar, por si
mesmo, o doce gosto da fiel
continuação do esqueleto
que mal saiu do papel; assinar
a reconstrução (sem fim) da natural
estrutura, defeituosa, mas, desde já,
dura na queda, madura, segura da meta.

Ativar a briosa faceta, dolorosa
negociata com a vertente mais sombria
da psiquê; conquistar as petrificadas
partes da fatal morosidade do orgulho
próprio, momento final da enchente
de vazio significativo, indicativo
de roteiro errado; faceiro, falso recado
escrito em agradáveis signos de um passado
distante, remoto e sempre insistente.

Encarar de frente; combinar as cores;
conquistar melhores causas; abraçar
mais nobres sonhos; beijar a lona,
por vezes; acariciar o destino;
trepar com força na vida, no topo;
aproveitar a caminhada; pegar ritmo;
sentir o deleite de ser, existir; ralar,
transpirar, imaginar; ignorar as dores, gritar,
cantar; (re)conhecer vivos amores; gozar e gozar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Eu e tu.

Danem-se todos os prólogos,
os monólogos, os jogos de bola,
os colchões de espuma, de mola,
as paixões de esmola, reuniões
da turma da escola, a fala
que não cola, a conversa
que não desembola, a dor
que me assola, a mulher
que me amola, que me faz
gastar a sola, pegar insolação.

Fodam-se as morenas, as loiras,
as negras, as mulatas, as ruivas,
as serenas, agitadas, as ingratas,
as carinhosas, dispersas, as atentas,
as sedentas, as frígidas, apaixonadas,
desencanadas, encalhadas, as carentes,
as lunáticas, as enfáticas, as vagas,
as vagabundas, as puras, as duras,
as baratas, as caras, as pagas,
as rasas, profundas e vazias.

Pouco me afligem os chefes,
os mestres, os cheques, os leques
de opções inconvenientes, as declarações
intransigentes, os corações descontentes,
toda essa gente, os pilares, andares, elevadores,
impossíveis amores, incompreensíveis louvores,
os rumores de má fé, os senhores, a elite,
a ralé, a suíte, a trepada e o café da manhã
na cama, toda essa fama, essa dama
sorridente, esse drama inconstante.

Pouco me ocupo com as revistas
na estante, os egoístas, os tratantes,
os bairristas, os viajantes, os motoristas,
os comandantes, os passageiros, os otários,
os faceiros, os extraordinários, os ignorantes,
os bancários, os banqueiros, os proprietários
de banca de jornal, os pensadores, os proletários,
os criativos, os maconheiros, os esportistas,
os sedentários, os empresários, os traficantes,
os boleiros, os jornalistas, radialistas, comentaristas.

Muito me importo comigo, meu umbigo, meu abrigo,
com o perigo nas ruas, contigo e as suas
palavras, com eles ali e elas aqui, conosco, convosco,
com aqueles ouvindo, sorrindo, aplaudindo, assistindo
tevê, com quem acredita no que lê nas mesmas revistas,
com quem leva a sério as entrevistas mal-dadas,
as ativistas peladas, os ciclistas, as pedaladas
do robinho, do neymar e do ganso, com meu descanso,
meu propenso descaso, meu intenso apreço pelo cru,
nu, inocente, coerente, aparente... Eu e tu.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Peleja-cabeça.

São bem-entendidos que discutimos
em rodas de papo-furado; rosto
a rosto lavado; levado na lábia
da (suposta) sábia persona; astuta
proposta de mútua paz interior.

Os mal-explicados assuntos, jogados
em esfumaçados verbetes, são fiados
lembretes que jamais serão honrados;
serão usados, cuspidos e pisados
em tempo real, sem falso pudor.

Descalço, o temor de furar a sola (do pé),
pisar na bola, é maior, e o pior
calor de todos é o frio na espinha
da consciência; quando já está feito,
não tem jeito, não tem peito que não doa.

Ficar à toa é a ciência de estar
o tempo todo pronto a não fazer nada
de chato, de bom ou proveitoso; é ficar
manhoso a toda obrigação; é estreitar
toda ligação afetiva barata e ôca.

O movimento da boca assume papel-chave;
bons gostos, bolas dentro, p'ra fora,
na trave e comentários diversos; alguns
versos ao quadro, alguns tratos
mal-fechados, muitos olhos bem abertos.

De certo modo, nada errado entre aqueles
que se propuseram a jogar, olhar,
comentar o jogo rolando, o pau comendo,
cantando no meio-de-campo, no núcleo
do círculo central da pegada peleja.

A cereja do bolo é cefaléia proveniente
do coquetel de orgulho, dissimulação,
culpa, perdão e urgência; a carência
fica p'ra escanteio; e o receio de perder
jogando bem, não existe ou já ficou p'ra trás.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Aniversário.

Neste salão só há espaço
para o sincero desembaraço;
que o laço que nos une, assim
espero, seja imune ao cansaço;
que os estilhaços das quebradas
taças não machuquem nossas mãos.

Os vãos impulsos de euforia
são multicoloridos respingos pueris
nesse quadro pintado a incontáveis toques;
individuais enfoques do mesmo tema;
que o brilho do verniz desse poema
conserve em bom lugar tudo o que passou.

Um show cantado, falado, tocado,
apreciado e assistido por todos
os lados; apresentado em vários palcos;
em que os normais obstáculos
técnicos pouco valor tiveram,
em que prevaleceram calor e furor.

O amor estava presente; os objetos
trazidos como lembranças representaram
alianças imersas em carinho e respeito;
diversas personagens que levarei
para sempre em meu peito nas andanças
que, daqui pra frente, me embrenharei.

Como nada é perfeito, nem tudo ocorre
do planejado jeito, e o inesperado
efeito dessas mazelas, quando há
certeza do que se pretende, é a clareza
invadindo as janelas dos vindouros dias,
em que almas vazias não mais terão vez.

A fluidez do que se vê e sente
é a maior prova de que é corrente
a mesma visão; que todos retornarão
a este chão, e que outros ausentes
se sintam contentes e estimulados
a fazer parte do que ainda há por vir.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ocaso de nós.

Não gosto de nenhum
desses sabores; amargos
horrores, hilários
temores normais a todos
aqueles que, dentre
os quais me incluo,
têm aversão a tudo
o que se apresenta
sorrateiramente e, por regra,
não aparenta perigo iminente.

A simples queda recente
é um reflexo da decadência,
da impaciência apressada,
de passadas experiências
registradas nos anais
da minha existência,
calcadas em excessiva
carência e atração
por prática subversiva;
passiva auto-destruição.

Ainda bem, o tempo
corre lentamente;
a enchente de versões
nunca se esvai, se dissemina
como vírus; agride
os reais objetivos
mundanos, urbanos anseios
pós-modernos; sonhos
presos por gravatas
e incômodos ternos.

O meu negócio é jogar,
mas sei que devo parar,
pensar, passar p'ra frente;
contente, esperar
pela redenção; esconder
a emoção, a aflição
pelo presente momento;
e, sem lamento, aceitar
a implacável crueldade
da inevitável final rendição.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um brinde.

ao João.

Tua aparente dispersão
é um traço de poética
reflexão, uma quase mítica
imagem que, apressados,
imediatistas como eu, fazem
de tua pessoa que, seja escrito,
lido, dito, é de alma boa
a toda prova, a toda nova revelação.

Tu foste o gatilho de tudo
que cá proponho;
ousaste apresentar-me
esse mundo de despretensão
(des)organizada em versos; por vezes,
desconexos desabafos cercados
de inconscientes manifestações;
lugar comum de paixões, decepções.

Se hoje exponho-me como poeta,
foi porque apareceste-me em local
e momento certos, mostraste-me
o sinuoso caminho dos sentimentos
pseudo-materializados, nada
pasteurizados, de essência real
e anormal fragrância à maioria;
íntima cachaça nossa de cada dia.

Teu andrajo é vivo em mim
enquanto escrevo; teus cigarros
também fumo; se, de hora p'ra outra,
sumo na multidão de compromissos,
torno-me ausente a quem nutro
verdadadeiro carinho, é porque
moldo-me sozinho, carente,
e pouco presente a tudo.

Não pretendo consolidar essa lógica,
física condição entre nós, sem razão
de existir; prometo-te redimir-me
de tão injustificável falta;
que as mesmas planejadas marias-
moles, num futuro próximo, ganhem pauta,
e que sejam de constante, saborosa,
e, propositalmente, inexata freqüência.

Falta-me, notadamente, tua saliente
veia artística, mas sobram-me
lembranças de um tempo
em que, juntos, conhecemos
o que acontece; onde tudo pode
parecer simples se compartilhado,
se banhado em afinco, emoção,
fumaça e até alguma distração.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Jamais.

Tô rouco de dizer, mas disse
muito pouco do que precisava;
tu ficas surda, torna-te brava
p'ra não teres que ouvir uma
palavra sequer; e não queres
responder, nem expor, a real
medida; dose imoral de partida.

Já começas gritando, encenando,
demonstrando todo teu poder
de overacting; tuas mentiras,
a mim, são inférteis, só
provocam minha ira, evocam
os pensamentos mais sombrios,
os mais vazios sentimentos.

Meu lamento é enorme, diante
deste quadro mal-pintado
de polígonos mal-traçados,
devaneios mal-sonhados, pouco
planejados e projetados no atual,
factual panorama de decepção,
muita culpa e nenhum perdão.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Tara.

Prefiro absorver-te assim, calado;
nada dentro de mim é capaz de
digerir-te, assumir-te
como te apresentas; tua (reconhecida)
culpa não te isenta de tudo aquilo
que já está feito, e a ferida,
em meu peito, jamais sarará.

Teus cabelos puramente ondulados,
dispostos sobre tua testa,
são um espelho das oscilações
de tua perturbada psiquê,
e quando fazem-se, por mágica,
química, física, mitologia, lisos,
é prudente esperar pelo pior.

Tua faceta mais faminta,
teu instinto mais sombrio
é revelado na calada da noite,
e vendetta não é o suficiente;
tua gélida e impaciente figura
tem fissura pelo promíscuo; tu
perdes o controle e mostras tua cara.

Misturam-se bem e mal
dentro de ti; nada mais
tem coerência; tua paciência
extinguiu-se; tua urgência
por saciar teus caprichos
é implacável; não és tolerável
nem mais a ti mesma...

Enfim, tu despertas.

Nada te restas, senão o desejo
por imediata reconstrução; em vão,
tu te esforças sem traçado
objetivo, somente pela vontade
de manter vivo o elo
entre o chão e o céu, o pão
e o mel do teu vil sorriso.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Alma.

Não consigo ser verdadeiro
contigo, não flui o discurso;
minha rota de incostantes palavras
desvia seu percurso para o abstrato
caminho de signos dúbios, fluidos
reflexos de uma personalidade
incompatível com a vontade
da tua alma.

Não te peço paciência, apenas
calma com essas pequenas
naturais farpas de uma escultura
que ainda não foi terminada
pelo artista imerso em cultura
e inexperiência; postura firme,
rígida nuance de ansiedade
daquele que tem tudo a perder.

Ao teu lado, espero muito
aprender; apreensivo,
sigo o rumo da prudência;
conservador que sou, protejo
minhas coisas e esqueço
da essência, raiz de todos
os nós; e percebo que somente
a sós consigo entender.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Noite.

Nenhum tipo de força
elevada, superior,
irá encurtar
minha caminhada,
diminuir o pesar
da jornada
de todas as noites.

Nem mesmo o fervor
do vinho tinto,
em meu estômago,
conseguirá atingir
o âmago do conflito,
ou calar o desesperado
grito de libertação.

A tentação é sutil;
o rio de sangue quente
que corre em minhas veias
se encarrega de multiplicar
todas as reais particularidades
de minha personalidade
já tão controvérsia.

Chega a madrugada, nua;
nada mais existe, senão
a inércia de ponderações
coerentes, condizentes
com o discurso falado;
permaneço calado, espero
pelo dia, minh'alma flutua.

domingo, 13 de junho de 2010

Eu sei.

Eu sei que tu não vais
decifrar, absorver
a totalidade do que quero
te dizer; esse lero-lero
de pródigos pensamentos,
colocados em códigos
coerentes somente a mim.

Ainda sim, gostaria
que procurasses, bem
no fundo, a semelhança
entre a tua crença
e o meu mundo,
e resolvesses os impasses
normais, superficiais.

É um desperdício
todo esse lamento,
esse atrito, esse aflito
sentimento constante
de iminente perda
e reconciliação
sem razão de existir.

O meu sacrifício
sempre foi e ainda é
para manter o ambiente
ameno, aprazível;
e o que lutei, calado,
do mesmo lado que o teu,
somente eu sei.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sensação.

Quero tua visão
dos fatos; quero
enxergar tua paixão
pelos rasos aspectos
cotidianos, relatos
vivos de qualquer ser.

Quero te conhecer
pelas palavras, sentir
o prazer de explorar
o palpável; e o que há
por vir, prefiro
esperar a sensação.

Quero, contigo,
me aprofundar
no superficial
mais passível
de rica reflexão;
tua íntima versão.

Por isso, verso
agora por ti,
abro-te o que
já vivi; ouço-te
porque me importo;
te quero bem.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Roubo.

Tu me roubas a paz,
eu tomo-te o resto
de falsa inocência,
porque não presto
-tu sabes muito bem-
em momentos de carência
afetiva ou numa noite
supostamente festiva.

Tu custas a entender
todo o processo que leva
ao exorbitante montante
desta conta que nunca
termina, só aumenta;
alimenta uma fantasia
de pouco valor,
muita pseudo-alegria
e horas e horas de dor.

Tu desenvolves um pavor
de contato direto
e provocas um mecanismo
de auto-isenção
de responsabilidade
pelo nítido déficit
de companheirismo,
carinho e amor.

Tu mascaras, com promessas,
teus intoleráveis erros
de improvável precisão
cirúrgica; inacreditáveis
eventos acidentais
para alguém que só dá
passos firmes
na já traçada direção.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Inspiração, transpiração.

Não existe hora certa;
por isso, fique alerta
que, por esta porta semi-aberta,
pode surgir um esquema,
uma prosa, um poema,
uma rosa amarela
louca pr'a mudar de cor.

Tenha à mão o pincel,
a aquarela e a tela
branca, pálida pelo vazio,
e ávida pelo primeiro traço,
pioneiro laço de união
entre o sim e o não,
o fogo e o pavio.

Aproveite a tensão
do momento, e reserve
ao movimento atenção
ritmo, som, precisão
e muito sentimento
canalizado, empenhado;
plena dedicação.

Não se apresse pelo fim
e, quando ele vier,
num suspiro qualquer,
lembre-se de mim:
dê espaço ao (escasso) tempo
do instante final
e, suavemente,
desperte para o mundo real.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Carne.

Te procuro por todos
os atalhos da cidade,
por todas as barreiras
de verdade, e a falsidade
não mais me interessa
quando a pressa
pelo importante,
triunfante desfecho,
tranquilizante beijo,
é morfina para a minha dor.

Já perdi o pudor,
só me resta o amor
pelo que faço, no compasso
dos batimentos; mandamentos
da alma de alguém que gosta
do amargo sabor do real vivido,
do labirinto infinito
que representa o mosaico
de cenas pontuais; aventuras carnais
que já não me satisfazem mais.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Desprezo.

Hoje, posso afirmar
com todas as letras:
só recebi desprezo.

Por que será?

A madrugada, o dia,
a tarde, a noite
me desprezaram.

Minha família, meus amigos,
meus irmãos, minhas bactérias,
meus ácaros me desprezaram.

Meus sons, meu tons,
meus cheiros, meus gostos
me desprezaram.

Meu coração me desprezou;
enfim,
o dia acabou.

terça-feira, 30 de março de 2010

Tempestade.

Se hoje nada faço
é porque cada passo
que dou, parece
não fazer diferença
frente à crença
no que já conheço.

Desde o começo
eu já sabia
que sempre que é dia
tudo floresce;
e, à noite,
o real adormece.

E o sonho aparece, é verdade.

Tristonho, esqueço
das horas felizes
em que nossas raízes
pareciam capazes
de resistir
a qualquer tempestade.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Desgosto.

Cá estou, novamente
sozinho, recolhido
em meu ninho,
reprimindo o ausente
sentimento perdido.

Ressentimento, não tenho;
de onde venho
e pra onde vou
não há espaço
para mais lamento.

Ainda que me lembre
de todo o ouro, toda a prata,
das sempre ingratas
jornadas inacabadas
de imenso amargor.

Mesmo que me esqueça
de tanto amor
empenhado, desperdiçado
em noites intermináveis
de momentos desagradáveis.

Até que me recomponha
de tamanha solidão
e alguém me estenda a mão,
sob meu rosto, minha fronha
enxugará as lágrimas do desgosto.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quente.

Derrama todo esse vinho
em nosso ninho de cobra
criada, dotada de toda
destreza, leveza, beleza
de ver, pegar, sentir.

Reclama de tudo o que pode
e foge de nada que vê;
relembra o que pensa
toda vez que não há nada
a lamentar, só a fazer.

Engana toda alma crua
que encontra na rua
perdida, sozinha, varrida
no vento da noite nua
da libidinagem, tua.

Ama, transpira, voa
e fica à toa na tarde
quente; emergente hora
de pôr pra fora
o que sufoca a mente.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Melodicamente.

Dormir agora
pode não ser a coisa certa
a se fazer,
quando o que parece mais atraente
é seguir a linha.

Repetir o mesmo erro,
é burrice,
é cair na mesmice
da lógica cômoda
de ser maniqueísta.

Minimizar a questão
é fugir desse vão
de pensamentos
agressivos, corrosivos
ao bem comum.

Facilitar os desejos
é apenas o meio
que se encontra
para induzir os lampejos
de reflexão.

Solapar o que sente
é a medida que se toma
para respirar
e sentir a angústia
de quem quer terminar.

Lamentar, simplesmente,
é estagnar o processo
de maturação da ideia
que, no fim de tudo,
pode te salvar.

, se puede!,
vou gritar,
para que assim
possa deitar-me na rede
da estafa mental.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Se.

Se me calam,
eu calo a boca
de todos,
com a dor de quem
é pisado no calo
mais saliente do pé.

Se me amarram
as mãos,
provocam minha mente
com a eficácia
de quem sente
subir a maré.

Se me dizem
"siga em frente",
no momento, eu paro
penso, mexo
e, com calma aparente
começo a dar marcha ré.

Se me privo
do direito de expor
o que vejo, sinto,
não preciso que me façam nada;
me conformo, me paraliso,
me deito, durmo, morro.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

4 & 9.

Se te digo quatro vezes
o que precisas ouvir
e, mesmo assim,
não te demoves
do dito tema,
te transmito
-em poema-
e, noves-fora o que compreendes,
promovo tua reflexão.

Me dizes "não"
por nove vezes,
mas te alugo por meses
até que me negues outras treze
e, depois, te convenças
de que, mesmo que tuas crenças
sejam um quarto das minhas,
de fato, as entrelinhas
comovem teu coração.

Quero quatro motivos
para que vivamos
mais nove décadas
sem que a decadência
contemporânea, atual,
consuma toda
a nossa paciência
e desgaste nossas almas
por mais treze vidas.

Nove vezes mais compreensão
para que, em sociedade,
tenhamos a capacidade
de gerar o quádruplo
de vibrações positivas
que impulsionem
atitudes decisivas
para o objetivo de dar e receber
treze vezes mais amor.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Rumo.

A sola do meu pé
revela quase trinta anos
de um zé qualquer
que, na escola,
fez planos que, agora,
não quer mais seguir.

A sorte de fugir
-na hora certa-
é a arte de fingir
que foi embora
sem visível alerta,
imprevisivelmente.

De repente,
o que, aparentemente,
ia bem, agora não tem
mais razão de existir;
não há mais como fluir
como antes, livremente.

O relógio aponta, e por mais
que seja uma afronta,
se faz lógico o desejo
de partida, sem beijo
de despedida,
e nada a comentar.