terça-feira, 29 de novembro de 2011

Armadoria.

Não vem a nitidez;
a surdez invade o trilho
dessa rota; torno-me andarilho
do pavor de tentar, experimentar,
surgir de frente, encarar, finalizar.

Não será hoje; o campo de energia
repelente parte do medo-núcleo
de uma obra rígida, inacabada,
semi-operante; genial, pura,
errante: exemplar raro
de tempos tão cruéis.

Todo revés dói fundo;
p'ro mundo, tem raso motivo;
p'ra mim passa com força no crivo
das derrotas cotidianas, que somente
faço crescer, tomar mística-forma,
como se natural houvesse sido.

Bate forte o vento-triunfo,
mas não sei até quando
conseguirei navegar
da força dessa
diminuta vela.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

De um (dia) quase-vivo.

Não tem fim, nem escape;
é num labirinto de medos
em que trafego em horas
como estas, tão rudes.

Construí essas muralhas
de irracionalidade,
e de nada vale tanto pesar
se ainda vivo, preso, inerte.

O flerte com a morte
é evidente; a premissa
de um moribundo é da Terra
pouco exigir: apenas que o leve - logo.

E corre ao contrário o relógio
do mal(-)habitante; transforma
dias em séculos, noites em eras
que nada são, senão meras inseguranças.

Não há fibra que aguente;
e quando chega a fadiga, traz
junto consigo a razão - promovendo
a arte de saber esperar a enxurrada.

O que restam, enfim, são cacos,
partidos ladrilhos, destroços
de pedras; tijolos que guardo
para, um dia, edificar minha fortaleza de paz.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Proêmio do "sim".

a ti, a mim e a todos aqueles que, juntos, têm certeza.

Da porta de casa, de vidro
raso, vejo a vida rasa;
a fumaça ecoando aos cantos,
os berros inaudíveis
e os incríveis projetos,
as prosas vazias e os versos,
possíveis melódicos protestos
de qualquer alma vã.

De qualquer espaço ocupado,
qualquer vitral violado
traz vento p'ra dentro da sala,
ou à ideia de estar em comum
lugar; seja living, sleeping;
quero estar aquecendo tua carne,
teu corpo; que tudo seja afago
à tua boca, energia a teu sexo.

Que o reflexo atinja tua louca
face, que inaugure a eterna fase
de ímpeto-fissura constante;
que tuas auroras sejam de roucas
frases-faíscas ao pavio do ouvido;
que sejam minhas as letras, teus
os sentidos, e que tudo se funda
e confunda os papéis por todo tempo.

De nada nos servem anéis, se gêmeas
são nossas auras; que cada fêmea feição
desse ninho tenha tua essência
e que toda força para construi-lo
venha do meu macho-instinto, apoiado
em teu sereno leito de entrega
e desejo, junção de irrestrita
presença e infindável cuidado.

Que, para sempre, nossa obra seja
um quadro inacabado; que não falte-nos
inspiração para continuar a pintá-lo
de harmonia, retocá-lo de humanas
texturas; e que nossos olhos,
mesmo que seduzidos por alheias pinturas,
jamais sintam-se tentados a ensaiar novos traços
em vazias telas de atraentes molduras.

sexta-feira, 11 de março de 2011

80.

Módulo oitenta, trinta
anos após o estouro;
a fissura é algoz
do fino toque,
a grosso modo.

Rodo o processo,
enrolo o progresso;
meu regresso-bom-senso,
esqueço e apareço em vivas
cores de guardados lugares.

Esses ares já conheço e, não
de hoje, as mesmas notas
invadem meus ouvidos,
acordam sentidos
de formoso guri.

Provei, engoli
toda sorte de rima;
minha sina é navegar
no embalo da onda, viajar
na última sonda interestelar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"Atraversando"

Crescem minha cabeça 
barriga, bagagem; aparece
a paisagem do desconhecido
caminho já percorrido
por todos aqueles que, algum
dia, resolveram esse nó.

Existe um manual que é automático
na mente dos alienados-preparados
pr'a esse mochilão eterno; uma roupa
apropriada: finos ternos à semana,
calças-curtas de sarja, cintos e golas
arredondadas aos sábados e domingos.

Tão sóbrios, quanto suas visíveis cores,
estes incríveis soldados-do-que-está-posto,
costumeiramente, viram seus rostos
à minha causa sem rebeldia, ao meu dia-a-dia
de negação à vil ganância, às cotas
de importância que designo a cada vital motivo.

Sob o crivo da lei-do-esperto, sou submetido
a todo tipo de vão julgamento, o que, a mim,
não se apresenta propriamente como um tormento,
apenas como mazela diária, um presente
dos demônios da vida - com os quais sou obrigado
a dialogar até que encontre uma solução viária nessa travessia.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Just do it".

Justo-homem, orçamento
justo do dia - do mês
- em que, justamente,
fez-se justiça
a quem tem mérito.

Nessa democracia
de cegos-loucos
por posse e poder,
dever é secundário:
tanto o ônus,
quanto a obrigação.

Ninguém, jamais, irá
agradecer-te pela força
desperdiçada na necessidade
alheia a ti, mas muito
íntima dos vis desejos
de que debruça-se
sobre um papel timbrado.

Autenticada competência,
que já não mais se faz presente
no dia-a-dia dos impulsos
destas pobres almas,
que abdicam de crescer
e cercam-se de rasos motivos
e sensações de falso conforto
no fino colchão da vã acomodação.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pavio.

Faísca é o crivo dos olhos
de quem filtra o colorido
e colhe o bom-alvo, límpido
impulso de justiça coletiva
e irrestrita ao coerente.

A competição é inerente
à raça humana, mas este
ímpeto dá-se em igual
intensidade a todos
os tons; as melodias,
muitas vezes, diferem
umas das outras, porém
todas são bons sons.

Quando o quadro está torto,
o morto universo da parede lisa
ganha importância, daí todo
o valor de se escancarar
a verdade a partir do visível.

Só é crível este estado
de desigualdade dada
a incapacidade de sustentação
desses inúmeros pseudoconceitos,
pré-concebidos e recebidos
guela abaixo pelo exército
de pagadores de dívidas
passadas e mal-inventadas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vinte e quatro sombras.

Funny-Joe se enganou;
de engraçado a desgraçado
nas linhas da vida; glamuroso
roteiro-improviso do consagrado
programa; problema de ser e viver
do papel; anormal-diária dinâmica.

Temerária faceta adotada
pelo rio que, assim, com sua água,
banhava de graça-pureza seus admiradores;
ignorava toda fraqueza embalada dos traidores
travestidos de atraentes curvas; tortas
maneiras de seguir seu inevitável curso.

A notada destreza no discurso de Chris
escondia um completo infeliz; personagem
de si mesmo; palavras a esmo; bola-de-fogo
a rolar na gelada corrente d'alma, vazia de razão
para continuar habitando aquele suado corpo; morada
de imorais excessos; aqui não se julga o valor, mas o sabor.

Calou-se Joe, calou-se Dan, seu irmão de blues;
desesperou-se Quim, secou o rio, tornou-se terra pisada;
de Chris, apagou-se a estrela: choro, não mais risada.
O imperfeito-império de areia lavada ruiu frente às balas
deste poderoso canhão, impiedoso artefato de silenciosa
destruição: invisível, imprevisível e definitiva.