quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Cláusulas pétreas poéticas

à Sarita.

Como que por decreto
apareceste, de fininho,
e inundaste de classe e ritmo 
meu enredo.

Fundaste-me o fim do medo
e, das pedras, propuseste-me
a mais íntima das metamorfoses
– a de nós.

Quiseste-me mais pronta 
e, com isso, fizeste-me
dia-a-dia menos algoz de
mim.

Arrumaste teu leito,
ofereceste-me teu teto
e convidaste-me a essa viagem
que não terá fim.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Lá fora

Voltei
Tá um frio
Um vento
Me ferrei

quarta-feira, 23 de março de 2016

Pedras.

São pedras todas as ideologias.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Azuis.

Uma coletânea de magníficos
fracassos; um pot-pourri
de heroicas derrotas;
sublimes, amargas.

Interrompidos concertos; meias-
-verdades, incompletas tramas;
romances, dramas, mas nunca
documentários; calças jeans
como fantasias, pijamas
de listra como black
ties; amarras, nós,
correntes, cordões.

Padrões, listas, contas,
convicções pasteurizadas;
lógicas ranqueadas, renda bruta,
labuta, planilhas, grandes planos;
projetos e cortes de orçamento: azuis.

Perdas e ganhos; o que liberta?

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Dessas bandas.

Do som, das notas, dos timbres;
de todo chambre que repousa em tons
a melodia dos dias-fumaça, das noites
de aromas incomuns; do quebra-cabeça
de toda raça reunida, dos sabores
que se experimenta de um lado
e dos dissabores revisitados do lado de lá.

Da comparsaria cotidiana, da derivação
de toda filosofia para o chão comum;
do trânsito de sensações, das lembranças
das cores; da travessia; das dores
guardadas em quadros, fotografias;
do mosaico na parede que traz muito mais
que estáticos momentos: desenha a vida.

Das ilustrações animadas, das vozes-
-surpresas, dos sorrisos sinceros; da brisa
que refresca a alma; do sossego construído;
das etapas de vida se revelando; dos olhares
intransitivos; do ímpeto objetivo; do desejo
se fortalecendo; da força vital, da energia;
da existência levada a sério, com leveza.

Das várias formas de fluxo; das caras diversões
baratas; do peso da prata, da banalidade-metal;
dos caminhos espontâneos; do jeito que se dá;
das companhias certeiras; das possibilidades
vindouras; da beleza das ruas; das emoções;
do caminho que ficou pra trás, que ensinou
novas letras; das tretas de sempre.

Das vibrações que absorvo dessas bandas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Altos e baixos.

Altos;
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baixos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Reflexo.

É desespero; a totalidade
não se quer; nada se espera
senão um suspiro sincero; tudo
é reflexo no espelho suspeito.

Bate forte o pulso, mãos trêmulas;
todo susto é perdoável; não existe
errado nem certo; nem de perto
me reconheço nessa falha cadência.

Consumo tudo o que é barato; de nada
aproveito; no imaginário, só o futuro;
que o presente seja atropelo e que dos cacos
seja feito um mosaico de verdades nunca reveladas.

Está feito; se bem ou mal, pouco importa; já partiu
esse barco; balançou na maré dos erráticos, navegou
na fantasia dos românticos, enfrentou a tempestade
dos céticos e, no espelho d'água, viu toda sua verdade
naufragar.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Amargo agosto.

Sem sal, nem açúcar;
Café, nem pensar; muito
amargo esse dia; cento
e vinte minutos por hora.

Sinto muito; sinto o gosto
amargo das cento e vinte
horas; sal a gosto, sai
exagerado esse tempo.

É amargo esse agosto; nem
açúcar, nesse dia (ou
de noite): sinto cento
e vinte horas nesses minutos.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Nunca.

Não vamos falar
do que não se viu,
do que não se quer ver;
do que não curtiu no tempo.

Não vamos discutir o que não
aconteceu; o que projeta-se
no breu; de que se fala
por demais e muito
pouco se sabe.

Não vamos assumir
a conta alheia, a data
vindoura que jamais chegará,
a fala do tolo na praça central.

Não vamos falar de moral,
de finalidade, de total,
de regra geral, não
tracemos linhas
muito retas.

Nunca.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Vai e vem.

Vai subir no telhado
o gato; da caixa
o volume; na tabela
a corrida do praça.

Vai cair em descrença
o mito; em desespero
o grito; em desgraça
o jogo do craque.

Vai sumir o suspeito
do mapa; do gato, o grito;
do craque, o volume
de jogo; do mito, o telhado.

Vai surgir da caixa
o grito; do craque,
a tabela, a corrida;
na praça, o sujeito.

E nada mais restará,
senão descrença,
desespero
e desgraça.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Sangue.

Há sopro, há risco,
há sangue, rabisco,
rascunho de letra;
sentença, sujeito.

Um puzzle; ruído
de rima; modelo
de bloco, calhamaço;
há sangue nos olhos.

Oxigênio rarefeito;
cadência cardíaca;
do mercado, exigência;
há sangue nos bolsos.

É rubra nossa existência;
pois, há sangue nos dedos,
na cuca, nas vias que transportam
o corpo, o sangue, o oxigênio.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Ganho.

Ganho saliência, e nada mais
me impede, nada me barra,
nada me amarra ao pé
do ouvido, ao verbo.

Ganho relevo, e tudo
me brinda, tudo arquiteta
para que eu sinta a vontade
de abrir-me à lauda irrequieta.

Ganho significância dentro de
mim, e tudo me aproxima
da essência, da ciência
do pleno arbítrio.

Tudo me nega
a vontade,
nada me
empresta
à eloquência;

Tudo me prende
à saliência da firma
de ser da gangorra o elo,
de ser da balança o prego
que prende, sustenta o peso,
que perpetua o equilíbrio de ser.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Passos.

Passou a limpo; cotejou
os fatos; mirou a vista;
revelou as fotos; emendou
os tratos; reconsiderou.

Cotejou as fotos; mirou
os fatos; passou a vista;
revelou as emendas; tratou
a limpo; reconsiderou.

Emendou as fotos; cotejou
a limpo; tratou a vista;
passou a mira; revelou
os fatos; reconsiderou.

Limpou a mira; emendou
os fatos; fotografou os tratos;
reconsiderou os passos;
cotejou a vista; revelou.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O culto.

O culto nada
cultua, senão
o próprio aro;
a cerca da sua
teia, o raro til
da sua veia-ermitão
de inacabadas vilas.

Oculto, celebra vilãs
às suas insossas anedotas;
trafega no vão entre o útil
e o recomendável; faz de sua
criação mera peça vendável, vil
desejo de reparação às horas a fio
no intento narcísico de qualquer eco.

Vaga de linha em linha, repleto de rima
reta; remenda sua curva mente de cultura
azeda; veda os ouvidos ao novo; dá de ombros
ao infinito e desce a ladeira da encarceração.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O professor.

O professor: mestre
do miolo alheio, muito
alheio aos exaustos
olhos de esperar todo
o ato; um trato
formado entre o Estado
e o ego.

De muito absorto, cego;
de longe, certo; de perto,
refém do ultimatos
acadêmicos; dos pensamentos
endêmicos que, vis, desvelam
a mais íntima de suas personas.

Um solitário masturbador
de ideologias roubadas;
seu alvo é a imparidade e,
controverso que é, provoca
fundamentais intelectuais
repulsas; espasmos indesejáveis.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Labor.

Compraram meus fluxos
neurais; fizeram de minhas rimas
commodities e, de colecionador
de letras, tornei-me
calculador de trechos.

Pedaços, espasmos de qualquer
pretensa epifania; gravações
de dados sabidos à exaustão;
discursos de antemão; estavam
em curso o método e o lírico.

Sempre soterrados sob a massa
de matrizes; parâmetros
à serviço da manutenção
do óbvio; quase uma leviandade.

No fim, o que tenho é só ouro;
esbanjo lágrimas enquanto jogo
pérolas aos tubarões; nem mais
reconheço-me gente, no máximo
um dígito.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Giro.

ao meu amigo Renato, que entregou-se à alegria de ser.

Um giro; muito mais
que uma jornada
ou um plano
mas a história do teu tempo
passando na janela, roncando
de dentro p'ra dentro,
embalando tua pressa de ser.

Não tem preço; já é hora
dessa mais-que-jornada (sim,
pois é muito mais
que dia-sobre-dia);
são noites de sonho, manhãs
de esperança e tardes
de certeza, nunca tardias,
mas precoces
em seu obstinado intuito.

Tens, desde que te vejo, a sabedoria
dos grandes, uma certa misantropia
diplomática, que, na medida
do ponderável, sempre
objetiva teus nobres
princípios, que ainda muito humanos
guiam-te em bom rumo.

Teu fim é princípio; teu lugar
está pronto; mal esperas
te sorri a verdade; nunca foi
tão boa a ninguém a vaidade,
pois tens a clareza dos sinceros;
não somente desejos; viajas
no ensejo do teu modo de vida,
que sorri às mazelas, constrói
teu caminho que te espera logo à frente.


Visitem http://olestenumlada.wordpress.com e embarquem de carona nesse giro.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Poeira.

Tudo se quebrará;
somente o inquebrantável
ficará intacto
e, dos cacos, dessa força-
-certeza, emergirá nossa
construção.

Já está pronta,
alicerçada, embora empoeirada
de gastos receios, rígidos
devaneios que, de tão
doces, envenenam;
velam tudo o que é luz.

Mas, tem brilho nisso
tudo; tem alegria
em cada flagelo
de aflição, em cada perdão
sem culpa, em todo medo
d'outro dia, em nada em vão.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Comigo.

Guardes teu receio; é, pois,
tudo teu; todo o meu anseio
de vida, toda iniciativa
e partida; aquele plano
de fuga às amarras.

Mostres o que fizeste
de ti, toques, a mim, o si
da tua flauta, como nunca
tocaste e mostres tua melodia.

Já é dia, não é hora, pouco
importa; nossa noite invade
a linha, embala a valsa da redenção.

Esqueças o não, nunca
te sintas sozinha, se não quiseres.

Sintas a brisa matutina.

É a estrela magna mostrando-te
o caminho, nosso ninho iluminado.

Deixes que te toques
a esperança, que te invadas
somente a boa lembrança.

Atropeles as derrotas, dês
notas florais aos ruídos, assines
os fluidos naturais bem-vindos
ao teu conforto.

Faças disso tua meta, arrisques
tudo a cada pisque, fujas
do módico, percebas o entorno,
largues que falem, te permitas
que ouças e me deixes levar-te comigo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Das dores.

Pode ser mais doído o
ódio moído; o incenso
de sangue; o mangue de
justiça; a preguiça da
certeza.

A garrafa sobre
a mesa; o pudim em pedaço;
o vintém de recalque; o
decalque de raiz; a pessoa
mais feliz.

O desconforto
de ontem; o perdão de outrora;
o padrão de reação; o caldo,
o tempero e o grão; a inércia
do conhecido.

O contracheque
mal-vencido; a derrota
com sabor; o machucado
sem dor.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Força.

Tenho tudo
em minhas mãos,
tão tuas; mãos
à obra, tão minha,
compartilhada em tua,
que unem-se na rua,
calçada, entremeiam-se,
pés no chão, tão certos.

Mãos abertas às tuas;
nossa força em tuas
mãos, tão minhas, em
tuas mãos, tão tuas.

Tragicamente, de tão
nossas, nunca minhas,
nunca tuas.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Ainda.

Já tenho outras rimas,
guardadas num canto,
sobre o qual me escoro,
cuja sombra assiste
meu pranto dedicado
à esperança.

Mesmo que esta seja
o substantivo da delonga,
ainda que fosse curta
a carência desse plano
de legado mal-acabado.

É infinito o repertório
de desprazeres, e os deleites
são breves, quase escapam.

Tenho outros graves versos,
mas os guardo com garra.

Os amarro em meus medos.

terça-feira, 18 de março de 2014

Nada.

Nadas, perdes o fôlego,
ancora-te em algum cais;
agarra-te ao toco, podre,
banhado de fortes águas,
poluídas de falsos remorsos;
esperas pela redenção, brioso,
resistes à fúria da correnteza
das impiedosas ondas.

Lança-te em mar aberto,
buscas o ancoradouro,
já munido de canoa e remo,
moves duas toneladas por segundo,
avanças rumo à ilha,
alcanças a trilha em terra firme,
cais no buraco, escalas a parede
de pedras, esperas o socorro,
do alto, e ele não vem.

Joga-te ao céu, dotado
de toda tua asa, fazes pouco
caso das alturas, das rupturas
de conforto, bebes o desgosto
como Martini, relaxas envolto
de incêndio, nada mais importa-te
senão água e pão, conquistas
o perdão de ninguém; tens tudo
em tuas mãos, mas nada mais
importa-te: nada.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Barra.

Teu tino na tigela,
os mesmos da barra,
empurrada na ladeira;
de tão desleixada,
tijucana ou da lagoa.

É doce o ferro
que conquistas,
o sólido cárcere
em que te aprisionas,
à lei da caneta.

Não te querem acolá,
mas rompas à força
toda subjugação,
resquício
de subserviência.

Venças a marra,
a negação, o perdão,
o medo e a coragem,
mintas de verdade,
derrubes a tua barra: una.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Ser.

Me entope a fumaça,
me entope a desgraça de ser;

Me afugenta a desgraça,
me afasta a fumaça de ter.

Quase nada eu quero,
quase nada eu venero
a não ser eu mesmo.

Não ser tudo, eu imploro,
P'ra ser menos, eu peço a você...

Não ser nada além mim.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Triunfo.

Estavam guardadas, na linha
do tempo; escurecidas, por trás
da parede de enlatados
medos, covardes bocejos,
todo o arsenal de certeiros
disparos, prontos ao triunfo.

Quase não foi tempo, mas, 
sem dúvida, foi o espaço
da graça, das quietas horas,
que guardou, tão bem,
todo fruto-ímpeto.

Sejam efêmeras as intempéries,
sejam caudalosas as frustrações,
o rito já foi cumprido: a ordem
foi dada e o barco desceu o rio.

É quase janeiro e corre solto
o certo destino, delicioso
curso de fins-devaneios.

Dou-te a mão e saltemos,
juntos, nas profundezas.

Na riqueza de sermos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Partida.

Foi abraçado, uma vez; na segunda
foi dado o grito - a passagem,
anunciada - a piada contada;
os dias se passaram e tudo
era rubro forte.

Foi atravessado; e o que restava
foi derrubado, reconstruído,
e foram deixadas pedras
no caminho, travando
o fluido trajeto.

Foi avisado, mas pouco se disse;
muito era esperado e se viu,
a sombra sumiu, era sol
p'ra toda nuvem, era
água a toda sede.

Foi agarrado; do seu canto frio,
puxado; seu pavio, já aceso
brilhava todas as noites,
sua lua era doce,
cheia de vida.

Foi amassado, como de xeque-
-mate; foi dado como morto,
foi dito torto, desiludido,
foi varrido da goma,
esvaziado o soma.

Foi finalizado aos vinte e nove
do segundo tempo, sendo
validado o gol de ouro,
suprimido o suplício,
apitado o final.

E o jogo não acabou.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Torto.

Miúda é toda letra
que um dia traduziu-se,
à boca pequena, do ventre
p'ra fora, num tiro certeiro
que nem ainda alvejou
o alvo-destino.

É falso branco;
nem amarelo vê-se
nesse sorriso amargo
de dor simulada, de fé
quebrada na pedra 
gelada: coração.

Não tem noção,
nem perdão,
simpatia,
que,
todo
si, de lá,
perdeu-se,
sol diminuto
a justificar todo
rolo de prosa, frio
desapego, morto
discurso, torto
caminho.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O.

Sempre rígido,
duro na queda,
ríspido, rude;
talude no aterro
de excessos
que dá forma
à estrutura.

Paúra do tempo;
sacerdote da norma,
monobloco, inteiriço
de alma - de corpo,
granada - rocha magmática
a ponto de bala.

Pronto a tudo;
mudo de fissura,
modo-loucura ativado,
na febre do rato,
no sangue do bode.

Ligado na carne,
pisado do feltro;
rasgando o fio
do bigode.

Partidário, nunca
neutro; buscando
de faro.

Queimando de dentro,
estrago-legado.

Imune-flagelo.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Agruras.

O mês - de três semanas -
figuras, agruras humanas;
manias vão pelo ralo.

O mesmo canto, um grito
esparso no lugar (in)comum;
só mais uma figura, mais um.

São dois, três sustos;
são justos gritos, doces
figuras, agruras vão pelo ralo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Quebra.

Há uma quebra
que sempre pedra;
arrocha; engendra
feixe que nunca
fenda, se raro rende.

Vi uma tenda
que pouca gente;
que rouco grito,
que brado aflito
quebrando tudo.

Noite-dia, virei
mudo; virei muda,
meu próprio rito:
mais-do-que-infante,
quebrei quebranto.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Serão.

Será atalho toda fuga,
será retalho-caminhada
mal planejada, fadada
ruga de covardia.

Será melancolia todo
resíduo dessa manobra,
será janela p'ro precipício,
subsídio de acomodação.

Será culpa todo ranço,
será ódio toda ira, fogueira
toda faísca, resquício
todo perdão.

Será gigante todo vilão,
será de força toda saída,
será temido todo rival.

E serão todos vencidos.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

"Prolífixo".

Por ali fico: pormenores
me chamam xará, parceiro;
o que me fará, então,
prolífico em minhas próprias
dores, fortunas, horrores
de mão beijada?

P'ro lixo vão os versados
desprazeres, afazeres
de minuto, de ditado ritmo,
dilatadas maneiras, redomas
de rotas sílabas, redondos
prolixos enganos.

Então fico, ali, prolixo
em meus chãos-de-vidro,
em meu caos de areia,
em minha rítmica veia,
desde tarde prolífica,
proibida e natural do lixo.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O mundo.

É uma viagem que busco
contigo; que ofuscas a mim,
perdido de mim mesmo,
que busco abrigo,
contido em meus medos.

É vadiagem toda dormência,
cidadã demência
que encaro fugindo
em rubra-cara, fingindo
a toda lábia.

É vicissitude esse embalo
disfarçado de atitude, esse
rude-regalo de alma
lavada, passada a limpo.

Já é tempo de navegar
contigo em mais profundas
águas, de mergulhar de cara
no mundo maravilhoso de nós.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Sabor.

O efêmero saiu
de moda; a roda-
-vida [vívida]
nunca quis tanto
ser perpétua:
é nítida nota
e não dá sinal
de trégua.

Quiçá dinâmica,
não poderá dar-se
o prazer de olvidar-se
da lâmina-regra,
gangorra-guia
de todas as sílabas,
e a saciedade
de recordar é viver.

É natimorto o descartável;
e aquele que não se mova,
não se comova do espelho-
-raiz, ou não busca ser feliz -
pois é legítimo o asco de causas
perdidas - ou prefere perecer
de dentro: pelos quais, lamento.

Centro-me, então, a cruéis
desventuras; repassadas
no bojo moderno [meu, teu]
de ser, restauradas molduras
dão firme objeto; passos
concretos à incompletude;
não-sábia: saborosa.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Nota aos leitores:


Mais de uma centena de poemas deste blog serão reunidos, com algumas peças inéditas, em livros impressos e digitais. Informações sobre títulos, sites para venda e lançamentos serão postadas neste espaço no momento em que se confirmarem. Por conta deste projeto, os poemas que serão publicados no primeiro livro, que tem lançamento previsto para agosto de 2013, foram retirados do blog.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

E.

Esgoto o esgoto; esgueiro-me
a esmo sob a égide estrangeira
de mim - tanto o ex(s)trato, quanto
o escroto são externos, mas muito
meus.

É tempo de ego; enxergo
na essência do efêmero êxito
do "eu" a emergência
do exato-exposto:
não nego.

Envio este embrulho; entoo
tua esperança em meu hino:
se não tomo um "Eno",
não engulo esse engodo-
-exagero.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Chá sabe.

Mal fujo do tempo, já'dentro
os meus sonhos; nego
meus menores delitos:
delimito o trilho das sombras.

Chá quente, que nem doce
ajuda; maré calma
e agito no fundo - bem
no fundo - já pego essa onda.

É redonda toda mente
que tudo sabe, presume;
nada além do abismo, pois
nem horizonte alcança.

Nem do palpável lança
mão; o não se faz cartilha;
é filha da surpresa a tolice
e a arrogância é a mãe de todas.

Nada sabe aquele
que nada sabe; nem aquele
que sabe tudo; muito menos
o que pouco sabe, e o que
muito, também.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Cesso.

Cesso os excessos; admito
recesso ao bravo soma,
parceiro de todas as horas
bem-mortas e desventuras.

Recesso: o mais escuro
lado, secreto-vício
de compulsórias fugas
que um dia julguei rés.

Depois foram dois, três
e, de vez, estabeleci
meu lugar à sombra,
deliciosa rugosidade.

A idade é sossego; é mais
tempo o que nego; faço-me
cego às tendências; atiro-me
ao meu ego: a vida é processo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Setlist.

I've been a tripper
for days and nights;
for sabbath years,
trapped under ice.

Since the 20th century,
for a long time, I've been
the known old boy
knocking on back doors
all arround.

I've been a sultan, I've
been a beast - at least a pet
- burried in the same cemetery
that I nearly lost myself.

I must sail on, break the law;
my middle dream of life: it's time
to burn, to kill the king
of my hardest memories.

Me: let me see you, let me
to be your miracle man,
to show you that nothing's free,
nothing's real; to turn on
the lovedrive that makes me alive.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Hodierno.

Acordo, moroso, da letargia;
bebo da liturgia de cumprir-se;
cuspo, a todos, esperança e
devo, gostoso, tudo à guia.

Estrela-referência do amigo-ego;
força'liança d'aquilo que se perdeu,
gula-perseverança, de garoto-logo-
-homem: me afogo da trilha.

Imagino milhas à frente; mal caminho
j'avisto a chegada; contemplo a estrada
longa e tortuosa de curvas que nem
me bem lembrava mais.

Não olho, em vão, para trás;
observo o quadro, pego a cena,
panorama d'aparente leveza
que, despercebida, é
registrada em cada frame.

Sê tu mesmo, same old style;
toque o desconhecido, que é
único e selvagem,
vivo, vivendo e buscand'o
"x" da questão a esmo,
zelando a (boa) fé e a coragem.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Que a ficha (limpa ou suja) caia.

Não existe alternativa
p'ra essa democracia
tradicional, neo-liberal;
a eleição do jornal
é a voz do povo, e a pesquisa
direciona a escolha divina
de duas ou três figuras,
inaugura a nova moldura,
pasteuriza anseios, minimiza
devaneios ideológicos.

Fidalgos, empresários,
industriais e sujeitos
normais, passíveis de desejos
de posse, de poderes
imperiais, podres facetas,
facilidades em terras de zé
ninguém, embelezam suas faces,
escancaram vergonhosas, falsas
qualidades incomuns ao cidadão
coletivo, vivo e impotente.

O apelo é grande, empurrado
guela abaixo no consumidor
de televisão e rádio; o modelo
de representatividade é fantasioso,
na verdade, um gostoso sabor
de isenção, transferência
de responsabilidade, dentro
das mudas bocas da enorme
maioria de zumbis-alienados,
ensinados a respeitar o trabalho vão.

Falta pão nesse circo, sobra
mão nessa massa violada, renda
acumulada, mentira deslavada,
lavagem de dinheiro e p'ra comer;
o chiqueiro está cheio de porcos
famintos por algum privilégio,
algum colégio eleitoral
que chancele a farra toda; a marra
que não sai de moda, que as fracas
garras da opaca lei não querem punir.


Publicado originalmente em 17/09/2010 em "Le Cadavre Exquis" (http://bundalelecadavreexquis.blogspot.com.br/2010/09/eleicoes.html)

terça-feira, 31 de julho de 2012

Me ouves?

É de morrer de angústia,
é de ficar à ústia, por dentro;
da casa-razão desertar, megulhar
no deserto de boas intenções.

É de tomar sermões como verdades;
como vaidade, tomar cerveja, tomar
da cereja o bolo, tomar milhões 
de tolos como mestres da sabedoria.

É de levar no dorso, de sentir 
remorso; de ficar no encalço 
e perder a trilha; de aportar
o casco e dormir na ilha.

Piano, piano, si va lontano:
é demasiado-lento, nada suave,
réquiem para a infância...
Edipiano.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Bota fé.

Joga-te ao campo, corre,
conhece os cantos, os meios
de fazer a jogada
e chutar para o gol.

Lança-te à frente, conta
com a gente que te quer;
contigo está a bola
e faz o que puder com ela.

Faz carinho, dá carrinho
no adversário, abala
a confiança rival:
deposita esperança nesse pé.

O jogo é como é, mas bota
rumo nesse passe, bota
veneno nesse levantamento
de bom destino.

Perder é normal, mas tua bola
é pra mais, tua bola ganha
o mundo, se, a veras, quer.

Bota fogo no clássico,
bota a bola no chão:
bota fé.

terça-feira, 12 de junho de 2012

É.

ao nosso amor.

Não tem fonema, sílaba,
guia, artigo, teorema;
não tem fim, não há
meios fiéis de descrição;
não há passo, retruque
ou ação que limite;
não há borda, fronteira;
não tem eira nem beira, 
é só núcleo: é só. Nu.

É antigo e novo, é presente,
é futuro, é maior que o passado, 
é moderno e rebuscado; 
é assunto, título e tema, 
muita prosa - nem te conto - 
é poema, livre e rimado, 
misteriosa escansão; é alexandrino,
é martelo, é sáfico, heróico,
é bárbaro!

Não tem volta, é verdade;
não tem choro, é vela acesa
e o fogo queimando em perfume;
é refresco, é cachaça, é costume;
não tem rotina, é mais do mesmo,
é cada vez melhor e diferente;
é constante, é intenso, é suave,
não tem pressa, é liberdade...
O que sinto por ti.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Vão.


Há um vão sujeito;
um fosso entre os tecidos,
que vão dos ouvidos aos pés,
percorrendo a ociosa musculatura
e pouco espiam pelo fio da fechadura
que aprisiona os livres anseios
detrás da porta-realidade.

Vão entrando, vão adentro,
os raios de luz - e desenham
algum rumo na parede de sombra
do quarto vazio de esperança,
cheio de mórbida lembrança
das intermináveis noites
na solitária-multidão.

Vã desilusão, posto que o destino
sempre ali esteve, sorrindo,
pedindo-me a mão, bailando
ao passo da moda, fazendo
a roda-vida girar, viva,
frenética, brilhosa,
como deve ser.

Que seja vida esse vão:
que seja breve esse rito,
seja ouvido o meu grito,
infinito o teu pão, o meu teto;
que seja afeto teu sussurro aflito
ao pé d'ouvido - que seja envolto em fé.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Por quê?

Tão bem quanto o sapo,
conhece esse caco
de homem o brejo:
no ensejo do drama,
a fome de sobrevivência -
na lama - mostra a essência
que dorme em macio leito.

Por um fio, não tem jeito
esse homem: essa raspa
de coragem, em seu peito,
não ameaça a tirania
da farsa - em projeto -
do trato feito com a massa
sedenta por pseudo-justiça.

A cobiça já é traço de ímpeto,
persistência: a perseverança
se envolve em atropelamento
e a apelação é concedida -
ao invés de detenção, apenas
punição pecuniária.

A batalha é diária, travada
em vedados ringues, fechados
em vidros escurecidos, laminados,
refrigerados por compressores
de ar e emoção: amplificados
em petrificadas psiquês.

Por quê?

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Armadoria.

Não vem a nitidez;
a surdez invade o trilho
dessa rota; torno-me andarilho
do pavor de tentar, experimentar,
surgir de frente, encarar, finalizar.

Não será hoje; o campo de energia
repelente parte do medo-núcleo
de uma obra rígida, inacabada,
semi-operante; genial, pura,
errante: exemplar raro
de tempos tão cruéis.

Todo revés dói fundo;
p'ro mundo, tem raso motivo;
p'ra mim passa com força no crivo
das derrotas cotidianas, que somente
faço crescer, tomar mística-forma,
como se natural houvesse sido.

Bate forte o vento-triunfo,
mas não sei até quando
conseguirei navegar
da força dessa
diminuta vela.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

De um (dia) quase-vivo.

Não tem fim, nem escape;
é num labirinto de medos
em que trafego em horas
como estas, tão rudes.

Construí essas muralhas
de irracionalidade,
e de nada vale tanto pesar
se ainda vivo, preso, inerte.

O flerte com a morte
é evidente; a premissa
de um moribundo é da Terra
pouco exigir: apenas que o leve - logo.

E corre ao contrário o relógio
do mal(-)habitante; transforma
dias em séculos, noites em eras
que nada são, senão meras inseguranças.

Não há fibra que aguente;
e quando chega a fadiga, traz
junto consigo a razão - promovendo
a arte de saber esperar a enxurrada.

O que restam, enfim, são cacos,
partidos ladrilhos, destroços
de pedras; tijolos que guardo
para, um dia, edificar minha fortaleza de paz.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Proêmio do "sim".

a ti, a mim e a todos aqueles que, juntos, têm certeza.

Da porta de casa, de vidro
raso, vejo a vida rasa;
a fumaça ecoando aos cantos,
os berros inaudíveis
e os incríveis projetos,
as prosas vazias e os versos,
possíveis melódicos protestos
de qualquer alma vã.

De qualquer espaço ocupado,
qualquer vitral violado
traz vento p'ra dentro da sala,
ou à ideia de estar em comum
lugar; seja living, sleeping;
quero estar aquecendo tua carne,
teu corpo; que tudo seja afago
à tua boca, energia a teu sexo.

Que o reflexo atinja tua louca
face, que inaugure a eterna fase
de ímpeto-fissura constante;
que tuas auroras sejam de roucas
frases-faíscas ao pavio do ouvido;
que sejam minhas as letras, teus
os sentidos, e que tudo se funda
e confunda os papéis por todo tempo.

De nada nos servem anéis, se gêmeas
são nossas auras; que cada fêmea feição
desse ninho tenha tua essência
e que toda força para construi-lo
venha do meu macho-instinto, apoiado
em teu sereno leito de entrega
e desejo, junção de irrestrita
presença e infindável cuidado.

Que, para sempre, nossa obra seja
um quadro inacabado; que não falte-nos
inspiração para continuar a pintá-lo
de harmonia, retocá-lo de humanas
texturas; e que nossos olhos,
mesmo que seduzidos por alheias pinturas,
jamais sintam-se tentados a ensaiar novos traços
em vazias telas de atraentes molduras.

sexta-feira, 11 de março de 2011

80.

Módulo oitenta, trinta
anos após o estouro;
a fissura é algoz
do fino toque,
a grosso modo.

Rodo o processo,
enrolo o progresso;
meu regresso-bom-senso,
esqueço e apareço em vivas
cores de guardados lugares.

Esses ares já conheço e, não
de hoje, as mesmas notas
invadem meus ouvidos,
acordam sentidos
de formoso guri.

Provei, engoli
toda sorte de rima;
minha sina é navegar
no embalo da onda, viajar
na última sonda interestelar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"Atraversando"

Crescem minha cabeça 
barriga, bagagem; aparece
a paisagem do desconhecido
caminho já percorrido
por todos aqueles que, algum
dia, resolveram esse nó.

Existe um manual que é automático
na mente dos alienados-preparados
pr'a esse mochilão eterno; uma roupa
apropriada: finos ternos à semana,
calças-curtas de sarja, cintos e golas
arredondadas aos sábados e domingos.

Tão sóbrios, quanto suas visíveis cores,
estes incríveis soldados-do-que-está-posto,
costumeiramente, viram seus rostos
à minha causa sem rebeldia, ao meu dia-a-dia
de negação à vil ganância, às cotas
de importância que designo a cada vital motivo.

Sob o crivo da lei-do-esperto, sou submetido
a todo tipo de vão julgamento, o que, a mim,
não se apresenta propriamente como um tormento,
apenas como mazela diária, um presente
dos demônios da vida - com os quais sou obrigado
a dialogar até que encontre uma solução viária nessa travessia.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Just do it".

Justo-homem, orçamento
justo do dia - do mês
- em que, justamente,
fez-se justiça
a quem tem mérito.

Nessa democracia
de cegos-loucos
por posse e poder,
dever é secundário:
tanto o ônus,
quanto a obrigação.

Ninguém, jamais, irá
agradecer-te pela força
desperdiçada na necessidade
alheia a ti, mas muito
íntima dos vis desejos
de que debruça-se
sobre um papel timbrado.

Autenticada competência,
que já não mais se faz presente
no dia-a-dia dos impulsos
destas pobres almas,
que abdicam de crescer
e cercam-se de rasos motivos
e sensações de falso conforto
no fino colchão da vã acomodação.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pavio.

Faísca é o crivo dos olhos
de quem filtra o colorido
e colhe o bom-alvo, límpido
impulso de justiça coletiva
e irrestrita ao coerente.

A competição é inerente
à raça humana, mas este
ímpeto dá-se em igual
intensidade a todos
os tons; as melodias,
muitas vezes, diferem
umas das outras, porém
todas são bons sons.

Quando o quadro está torto,
o morto universo da parede lisa
ganha importância, daí todo
o valor de se escancarar
a verdade a partir do visível.

Só é crível este estado
de desigualdade dada
a incapacidade de sustentação
desses inúmeros pseudoconceitos,
pré-concebidos e recebidos
guela abaixo pelo exército
de pagadores de dívidas
passadas e mal-inventadas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vinte e quatro sombras.

Funny-Joe se enganou;
de engraçado a desgraçado
nas linhas da vida; glamuroso
roteiro-improviso do consagrado
programa; problema de ser e viver
do papel; anormal-diária dinâmica.

Temerária faceta adotada
pelo rio que, assim, com sua água,
banhava de graça-pureza seus admiradores;
ignorava toda fraqueza embalada dos traidores
travestidos de atraentes curvas; tortas
maneiras de seguir seu inevitável curso.

A notada destreza no discurso de Chris
escondia um completo infeliz; personagem
de si mesmo; palavras a esmo; bola-de-fogo
a rolar na gelada corrente d'alma, vazia de razão
para continuar habitando aquele suado corpo; morada
de imorais excessos; aqui não se julga o valor, mas o sabor.

Calou-se Joe, calou-se Dan, seu irmão de blues;
desesperou-se Quim, secou o rio, tornou-se terra pisada;
de Chris, apagou-se a estrela: choro, não mais risada.
O imperfeito-império de areia lavada ruiu frente às balas
deste poderoso canhão, impiedoso artefato de silenciosa
destruição: invisível, imprevisível e definitiva.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cento e dois pés.

Duplo-núcleo, duro
de entender, de ouvir;
furo de notícia: plano
furado, caô deslavado,
furor revelado às cegas
- sem regras, vives livre,
caminhas de ponto em ponto
sem notável sinal de passagem.

Tua abordagem: irretocável
trabalho em madeira envernizada,
tratada no tempo a peroba; toda
bóia é chance, todo alcance é válido
e, assim, é eternizada tua fama mutualista;
faz tua cama, põe tua mesa, dá-te espuma e banho;
estranho modo de ser, em que tudo é sabor, nada é saber.

Humanista sem causa, com as calças na mão; com as falsas promessas
de ontem, não dás solução ao esquema-esquemão; logo cais na imensidão
das relíquias-verdades de outros mares; navegas, te apegas aos terços,
ao berço da forjada emoção - forçada gratidão por tudo o que nunca
terás - remarás, remarás e jamais atingirás a borda; ficarás,
pobre, à deriva; a bordo do teu próprio velho-podre casco.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Malícia.

Tenhas modos: modules
tua voz ao te dirigires;
formules sentenças moldadas
na ponta de tua língua e te vendas
como queres; mas, te queiras dos olhos
de quem compra-te por voluptuoso desejo.

Sejas polido no início, suavemente raso,
incisivo na ideia central; verdadeiro
na (co)medida-sedutora-falsidade, cru
na essencial indecência da hora
-pode ser agora, se quiseres-
e mires sempre o teu real.

E a realidade vem cega, vil,
viril, animalesca, sedenta,
sangrenta, às vezes, vulgar;
tudo é lugar p'ra tudo, não há
escudo pr'alma nesse saboroso
duelo de tara; elo de rara malícia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sonomalemolência.

Nervoso, o impulso erra
o alvo; torna-se avulso
o diário calvário; confuso
itinerário de ruas sem saída;
uma noite perdida e um dia
condenado, em desuso; abuso
de inútil esforço; aleatório
remorso; notório pesar de existir.

Já se foi a feira, a derradeira
noite e a segunda, inundada
em água e angústia; ânsia
por descanso e recomeço,
pelo próximo e certeiro passo;
que não seja vã mais essa
página do vigésimo-oitavo
capítulo deste livro inacabado.

Está baixa a maré; parece
navegar de marcha à ré
toda a trama; converte-se
em drama a comédia de ser,
e nada construo, desde então,
senão um edificante desprazer
representado em alguns pares
de versos: anexos à minha dor.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Bill.

Billy, the fire, burns;
queima como queimada na fauna
intestinal; aflora tudo
o que é desconforto externo,
interno, paralelo; rejeita
a travessa de frutos silvestres
e a carne virgem e macia.

À noite, repousa o tronco;
tora verde, não-combustível
a esse fogo iminente
que, quando vem, torra tudo
o que vê pela frente, por trás
dos panos, cortinas, lençóis;
fervente energia equivalente
a nove sóis a pleno vapor.

Não sente dor, nem prazer;
apenas mantém as vitais funções;
a duras penas, obtém permissões
de parcial usufruto do corpo
que habita, do espaço que orbita,
da alma que, livre, levita
no antigo cenário de carnais
diversões, inúteis ilusões;
questões como "ser ou morrer".

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Urgente.

O reflexo corre atrás
do sujeito, escorre
em tom escuro; o batom
rubro-forte, vivo, marca
o carnudo lábio; suga,
de canudinho, toda sorte
de clareza, discernimento;
o tormento não tem começo;
não há destreza que evite
o tropeço, e a morte social
não encerra o assunto
e nem decreta o lamento final.

Todos juntos na mesma
semana - convencional,
humana marcação de tempo -
e o quadro de sete dias
na mesma cena; solução e problema
em muitas cores, diversas
dores delimitadas; partes
perversas, fincadas no ser,
intercaladas por curtos momentos
de real prazer; tridente hedonista;
estandarte da percepção egoísta;
pra consumir e consumir-se.

Quero sumir; quero ficar
em casa, subir e descer
as escadas do prédio,
largar a rasa mania
de ser médio em tudo;
ser grande em mim, fazer
cinema mudo de minhas curtas
metas, guiar-me por vias
de razões concretas, emoções
traçadas, repletas de consolidados
conceitos, perfeitos dados
de fácil comprovação e compreensão.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

No "front" (Nu frontal).

Afrouxar esse nó; deixar
de ser frouxo de uma vez
por todas; provar, por si
mesmo, o doce gosto da fiel
continuação do esqueleto
que mal saiu do papel; assinar
a reconstrução (sem fim) da natural
estrutura, defeituosa, mas, desde já,
dura na queda, madura, segura da meta.

Ativar a briosa faceta, dolorosa
negociata com a vertente mais sombria
da psiquê; conquistar as petrificadas
partes da fatal morosidade do orgulho
próprio, momento final da enchente
de vazio significativo, indicativo
de roteiro errado; faceiro, falso recado
escrito em agradáveis signos de um passado
distante, remoto e sempre insistente.

Encarar de frente; combinar as cores;
conquistar melhores causas; abraçar
mais nobres sonhos; beijar a lona,
por vezes; acariciar o destino;
trepar com força na vida, no topo;
aproveitar a caminhada; pegar ritmo;
sentir o deleite de ser, existir; ralar,
transpirar, imaginar; ignorar as dores, gritar,
cantar; (re)conhecer vivos amores; gozar e gozar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Eu e tu.

Danem-se todos os prólogos,
os monólogos, os jogos de bola,
os colchões de espuma, de mola,
as paixões de esmola, reuniões
da turma da escola, a fala
que não cola, a conversa
que não desembola, a dor
que me assola, a mulher
que me amola, que me faz
gastar a sola, pegar insolação.

Fodam-se as morenas, as loiras,
as negras, as mulatas, as ruivas,
as serenas, agitadas, as ingratas,
as carinhosas, dispersas, as atentas,
as sedentas, as frígidas, apaixonadas,
desencanadas, encalhadas, as carentes,
as lunáticas, as enfáticas, as vagas,
as vagabundas, as puras, as duras,
as baratas, as caras, as pagas,
as rasas, profundas e vazias.

Pouco me afligem os chefes,
os mestres, os cheques, os leques
de opções inconvenientes, as declarações
intransigentes, os corações descontentes,
toda essa gente, os pilares, andares, elevadores,
impossíveis amores, incompreensíveis louvores,
os rumores de má fé, os senhores, a elite,
a ralé, a suíte, a trepada e o café da manhã
na cama, toda essa fama, essa dama
sorridente, esse drama inconstante.

Pouco me ocupo com as revistas
na estante, os egoístas, os tratantes,
os bairristas, os viajantes, os motoristas,
os comandantes, os passageiros, os otários,
os faceiros, os extraordinários, os ignorantes,
os bancários, os banqueiros, os proprietários
de banca de jornal, os pensadores, os proletários,
os criativos, os maconheiros, os esportistas,
os sedentários, os empresários, os traficantes,
os boleiros, os jornalistas, radialistas, comentaristas.

Muito me importo comigo, meu umbigo, meu abrigo,
com o perigo nas ruas, contigo e as suas
palavras, com eles ali e elas aqui, conosco, convosco,
com aqueles ouvindo, sorrindo, aplaudindo, assistindo
tevê, com quem acredita no que lê nas mesmas revistas,
com quem leva a sério as entrevistas mal-dadas,
as ativistas peladas, os ciclistas, as pedaladas
do robinho, do neymar e do ganso, com meu descanso,
meu propenso descaso, meu intenso apreço pelo cru,
nu, inocente, coerente, aparente... Eu e tu.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Peleja-cabeça.

São bem-entendidos que discutimos
em rodas de papo-furado; rosto
a rosto lavado; levado na lábia
da (suposta) sábia persona; astuta
proposta de mútua paz interior.

Os mal-explicados assuntos, jogados
em esfumaçados verbetes, são fiados
lembretes que jamais serão honrados;
serão usados, cuspidos e pisados
em tempo real, sem falso pudor.

Descalço, o temor de furar a sola (do pé),
pisar na bola, é maior, e o pior
calor de todos é o frio na espinha
da consciência; quando já está feito,
não tem jeito, não tem peito que não doa.

Ficar à toa é a ciência de estar
o tempo todo pronto a não fazer nada
de chato, de bom ou proveitoso; é ficar
manhoso a toda obrigação; é estreitar
toda ligação afetiva barata e ôca.

O movimento da boca assume papel-chave;
bons gostos, bolas dentro, p'ra fora,
na trave e comentários diversos; alguns
versos ao quadro, alguns tratos
mal-fechados, muitos olhos bem abertos.

De certo modo, nada errado entre aqueles
que se propuseram a jogar, olhar,
comentar o jogo rolando, o pau comendo,
cantando no meio-de-campo, no núcleo
do círculo central da pegada peleja.

A cereja do bolo é cefaléia proveniente
do coquetel de orgulho, dissimulação,
culpa, perdão e urgência; a carência
fica p'ra escanteio; e o receio de perder
jogando bem, não existe ou já ficou p'ra trás.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Aniversário.

Neste salão só há espaço
para o sincero desembaraço;
que o laço que nos une, assim
espero, seja imune ao cansaço;
que os estilhaços das quebradas
taças não machuquem nossas mãos.

Os vãos impulsos de euforia
são multicoloridos respingos pueris
nesse quadro pintado a incontáveis toques;
individuais enfoques do mesmo tema;
que o brilho do verniz desse poema
conserve em bom lugar tudo o que passou.

Um show cantado, falado, tocado,
apreciado e assistido por todos
os lados; apresentado em vários palcos;
em que os normais obstáculos
técnicos pouco valor tiveram,
em que prevaleceram calor e furor.

O amor estava presente; os objetos
trazidos como lembranças representaram
alianças imersas em carinho e respeito;
diversas personagens que levarei
para sempre em meu peito nas andanças
que, daqui pra frente, me embrenharei.

Como nada é perfeito, nem tudo ocorre
do planejado jeito, e o inesperado
efeito dessas mazelas, quando há
certeza do que se pretende, é a clareza
invadindo as janelas dos vindouros dias,
em que almas vazias não mais terão vez.

A fluidez do que se vê e sente
é a maior prova de que é corrente
a mesma visão; que todos retornarão
a este chão, e que outros ausentes
se sintam contentes e estimulados
a fazer parte do que ainda há por vir.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ocaso de nós.

Não gosto de nenhum
desses sabores; amargos
horrores, hilários
temores normais a todos
aqueles que, dentre
os quais me incluo,
têm aversão a tudo
o que se apresenta
sorrateiramente e, por regra,
não aparenta perigo iminente.

A simples queda recente
é um reflexo da decadência,
da impaciência apressada,
de passadas experiências
registradas nos anais
da minha existência,
calcadas em excessiva
carência e atração
por prática subversiva;
passiva auto-destruição.

Ainda bem, o tempo
corre lentamente;
a enchente de versões
nunca se esvai, se dissemina
como vírus; agride
os reais objetivos
mundanos, urbanos anseios
pós-modernos; sonhos
presos por gravatas
e incômodos ternos.

O meu negócio é jogar,
mas sei que devo parar,
pensar, passar p'ra frente;
contente, esperar
pela redenção; esconder
a emoção, a aflição
pelo presente momento;
e, sem lamento, aceitar
a implacável crueldade
da inevitável final rendição.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um brinde.

ao João.

Tua aparente dispersão
é um traço de poética
reflexão, uma quase mítica
imagem que, apressados,
imediatistas como eu, fazem
de tua pessoa que, seja escrito,
lido, dito, é de alma boa
a toda prova, a toda nova revelação.

Tu foste o gatilho de tudo
que cá proponho;
ousaste apresentar-me
esse mundo de despretensão
(des)organizada em versos; por vezes,
desconexos desabafos cercados
de inconscientes manifestações;
lugar comum de paixões, decepções.

Se hoje exponho-me como poeta,
foi porque apareceste-me em local
e momento certos, mostraste-me
o sinuoso caminho dos sentimentos
pseudo-materializados, nada
pasteurizados, de essência real
e anormal fragrância à maioria;
íntima cachaça nossa de cada dia.

Teu andrajo é vivo em mim
enquanto escrevo; teus cigarros
também fumo; se, de hora p'ra outra,
sumo na multidão de compromissos,
torno-me ausente a quem nutro
verdadadeiro carinho, é porque
moldo-me sozinho, carente,
e pouco presente a tudo.

Não pretendo consolidar essa lógica,
física condição entre nós, sem razão
de existir; prometo-te redimir-me
de tão injustificável falta;
que as mesmas planejadas marias-
moles, num futuro próximo, ganhem pauta,
e que sejam de constante, saborosa,
e, propositalmente, inexata freqüência.

Falta-me, notadamente, tua saliente
veia artística, mas sobram-me
lembranças de um tempo
em que, juntos, conhecemos
o que acontece; onde tudo pode
parecer simples se compartilhado,
se banhado em afinco, emoção,
fumaça e até alguma distração.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Jamais.

Tô rouco de dizer, mas disse
muito pouco do que precisava;
tu ficas surda, torna-te brava
p'ra não teres que ouvir uma
palavra sequer; e não queres
responder, nem expor, a real
medida; dose imoral de partida.

Já começas gritando, encenando,
demonstrando todo teu poder
de overacting; tuas mentiras,
a mim, são inférteis, só
provocam minha ira, evocam
os pensamentos mais sombrios,
os mais vazios sentimentos.

Meu lamento é enorme, diante
deste quadro mal-pintado
de polígonos mal-traçados,
devaneios mal-sonhados, pouco
planejados e projetados no atual,
factual panorama de decepção,
muita culpa e nenhum perdão.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Tara.

Prefiro absorver-te assim, calado;
nada dentro de mim é capaz de
digerir-te, assumir-te
como te apresentas; tua (reconhecida)
culpa não te isenta de tudo aquilo
que já está feito, e a ferida,
em meu peito, jamais sarará.

Teus cabelos puramente ondulados,
dispostos sobre tua testa,
são um espelho das oscilações
de tua perturbada psiquê,
e quando fazem-se, por mágica,
química, física, mitologia, lisos,
é prudente esperar pelo pior.

Tua faceta mais faminta,
teu instinto mais sombrio
é revelado na calada da noite,
e vendetta não é o suficiente;
tua gélida e impaciente figura
tem fissura pelo promíscuo; tu
perdes o controle e mostras tua cara.

Misturam-se bem e mal
dentro de ti; nada mais
tem coerência; tua paciência
extinguiu-se; tua urgência
por saciar teus caprichos
é implacável; não és tolerável
nem mais a ti mesma...

Enfim, tu despertas.

Nada te restas, senão o desejo
por imediata reconstrução; em vão,
tu te esforças sem traçado
objetivo, somente pela vontade
de manter vivo o elo
entre o chão e o céu, o pão
e o mel do teu vil sorriso.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Alma.

Não consigo ser verdadeiro
contigo, não flui o discurso;
minha rota de incostantes palavras
desvia seu percurso para o abstrato
caminho de signos dúbios, fluidos
reflexos de uma personalidade
incompatível com a vontade
da tua alma.

Não te peço paciência, apenas
calma com essas pequenas
naturais farpas de uma escultura
que ainda não foi terminada
pelo artista imerso em cultura
e inexperiência; postura firme,
rígida nuance de ansiedade
daquele que tem tudo a perder.

Ao teu lado, espero muito
aprender; apreensivo,
sigo o rumo da prudência;
conservador que sou, protejo
minhas coisas e esqueço
da essência, raiz de todos
os nós; e percebo que somente
a sós consigo entender.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Noite.

Nenhum tipo de força
elevada, superior,
irá encurtar
minha caminhada,
diminuir o pesar
da jornada
de todas as noites.

Nem mesmo o fervor
do vinho tinto,
em meu estômago,
conseguirá atingir
o âmago do conflito,
ou calar o desesperado
grito de libertação.

A tentação é sutil;
o rio de sangue quente
que corre em minhas veias
se encarrega de multiplicar
todas as reais particularidades
de minha personalidade
já tão controvérsia.

Chega a madrugada, nua;
nada mais existe, senão
a inércia de ponderações
coerentes, condizentes
com o discurso falado;
permaneço calado, espero
pelo dia, minh'alma flutua.

domingo, 13 de junho de 2010

Eu sei.

Eu sei que tu não vais
decifrar, absorver
a totalidade do que quero
te dizer; esse lero-lero
de pródigos pensamentos,
colocados em códigos
coerentes somente a mim.

Ainda sim, gostaria
que procurasses, bem
no fundo, a semelhança
entre a tua crença
e o meu mundo,
e resolvesses os impasses
normais, superficiais.

É um desperdício
todo esse lamento,
esse atrito, esse aflito
sentimento constante
de iminente perda
e reconciliação
sem razão de existir.

O meu sacrifício
sempre foi e ainda é
para manter o ambiente
ameno, aprazível;
e o que lutei, calado,
do mesmo lado que o teu,
somente eu sei.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sensação.

Quero tua visão
dos fatos; quero
enxergar tua paixão
pelos rasos aspectos
cotidianos, relatos
vivos de qualquer ser.

Quero te conhecer
pelas palavras, sentir
o prazer de explorar
o palpável; e o que há
por vir, prefiro
esperar a sensação.

Quero, contigo,
me aprofundar
no superficial
mais passível
de rica reflexão;
tua íntima versão.

Por isso, verso
agora por ti,
abro-te o que
já vivi; ouço-te
porque me importo;
te quero bem.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Roubo.

Tu me roubas a paz,
eu tomo-te o resto
de falsa inocência,
porque não presto
-tu sabes muito bem-
em momentos de carência
afetiva ou numa noite
supostamente festiva.

Tu custas a entender
todo o processo que leva
ao exorbitante montante
desta conta que nunca
termina, só aumenta;
alimenta uma fantasia
de pouco valor,
muita pseudo-alegria
e horas e horas de dor.

Tu desenvolves um pavor
de contato direto
e provocas um mecanismo
de auto-isenção
de responsabilidade
pelo nítido déficit
de companheirismo,
carinho e amor.

Tu mascaras, com promessas,
teus intoleráveis erros
de improvável precisão
cirúrgica; inacreditáveis
eventos acidentais
para alguém que só dá
passos firmes
na já traçada direção.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Inspiração, transpiração.

Não existe hora certa;
por isso, fique alerta
que, por esta porta semi-aberta,
pode surgir um esquema,
uma prosa, um poema,
uma rosa amarela
louca pr'a mudar de cor.

Tenha à mão o pincel,
a aquarela e a tela
branca, pálida pelo vazio,
e ávida pelo primeiro traço,
pioneiro laço de união
entre o sim e o não,
o fogo e o pavio.

Aproveite a tensão
do momento, e reserve
ao movimento atenção
ritmo, som, precisão
e muito sentimento
canalizado, empenhado;
plena dedicação.

Não se apresse pelo fim
e, quando ele vier,
num suspiro qualquer,
lembre-se de mim:
dê espaço ao (escasso) tempo
do instante final
e, suavemente,
desperte para o mundo real.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Carne.

Te procuro por todos
os atalhos da cidade,
por todas as barreiras
de verdade, e a falsidade
não mais me interessa
quando a pressa
pelo importante,
triunfante desfecho,
tranquilizante beijo,
é morfina para a minha dor.

Já perdi o pudor,
só me resta o amor
pelo que faço, no compasso
dos batimentos; mandamentos
da alma de alguém que gosta
do amargo sabor do real vivido,
do labirinto infinito
que representa o mosaico
de cenas pontuais; aventuras carnais
que já não me satisfazem mais.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Desprezo.

Hoje, posso afirmar
com todas as letras:
só recebi desprezo.

Por que será?

A madrugada, o dia,
a tarde, a noite
me desprezaram.

Minha família, meus amigos,
meus irmãos, minhas bactérias,
meus ácaros me desprezaram.

Meus sons, meu tons,
meus cheiros, meus gostos
me desprezaram.

Meu coração me desprezou;
enfim,
o dia acabou.

terça-feira, 30 de março de 2010

Tempestade.

Se hoje nada faço
é porque cada passo
que dou, parece
não fazer diferença
frente à crença
no que já conheço.

Desde o começo
eu já sabia
que sempre que é dia
tudo floresce;
e, à noite,
o real adormece.

E o sonho aparece, é verdade.

Tristonho, esqueço
das horas felizes
em que nossas raízes
pareciam capazes
de resistir
a qualquer tempestade.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Desgosto.

Cá estou, novamente
sozinho, recolhido
em meu ninho,
reprimindo o ausente
sentimento perdido.

Ressentimento, não tenho;
de onde venho
e pra onde vou
não há espaço
para mais lamento.

Ainda que me lembre
de todo o ouro, toda a prata,
das sempre ingratas
jornadas inacabadas
de imenso amargor.

Mesmo que me esqueça
de tanto amor
empenhado, desperdiçado
em noites intermináveis
de momentos desagradáveis.

Até que me recomponha
de tamanha solidão
e alguém me estenda a mão,
sob meu rosto, minha fronha
enxugará as lágrimas do desgosto.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quente.

Derrama todo esse vinho
em nosso ninho de cobra
criada, dotada de toda
destreza, leveza, beleza
de ver, pegar, sentir.

Reclama de tudo o que pode
e foge de nada que vê;
relembra o que pensa
toda vez que não há nada
a lamentar, só a fazer.

Engana toda alma crua
que encontra na rua
perdida, sozinha, varrida
no vento da noite nua
da libidinagem, tua.

Ama, transpira, voa
e fica à toa na tarde
quente; emergente hora
de pôr pra fora
o que sufoca a mente.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Melodicamente.

Dormir agora
pode não ser a coisa certa
a se fazer,
quando o que parece mais atraente
é seguir a linha.

Repetir o mesmo erro,
é burrice,
é cair na mesmice
da lógica cômoda
de ser maniqueísta.

Minimizar a questão
é fugir desse vão
de pensamentos
agressivos, corrosivos
ao bem comum.

Facilitar os desejos
é apenas o meio
que se encontra
para induzir os lampejos
de reflexão.

Solapar o que sente
é a medida que se toma
para respirar
e sentir a angústia
de quem quer terminar.

Lamentar, simplesmente,
é estagnar o processo
de maturação da ideia
que, no fim de tudo,
pode te salvar.

, se puede!,
vou gritar,
para que assim
possa deitar-me na rede
da estafa mental.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Se.

Se me calam,
eu calo a boca
de todos,
com a dor de quem
é pisado no calo
mais saliente do pé.

Se me amarram
as mãos,
provocam minha mente
com a eficácia
de quem sente
subir a maré.

Se me dizem
"siga em frente",
no momento, eu paro
penso, mexo
e, com calma aparente
começo a dar marcha ré.

Se me privo
do direito de expor
o que vejo, sinto,
não preciso que me façam nada;
me conformo, me paraliso,
me deito, durmo, morro.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

4 & 9.

Se te digo quatro vezes
o que precisas ouvir
e, mesmo assim,
não te demoves
do dito tema,
te transmito
-em poema-
e, noves-fora o que compreendes,
promovo tua reflexão.

Me dizes "não"
por nove vezes,
mas te alugo por meses
até que me negues outras treze
e, depois, te convenças
de que, mesmo que tuas crenças
sejam um quarto das minhas,
de fato, as entrelinhas
comovem teu coração.

Quero quatro motivos
para que vivamos
mais nove décadas
sem que a decadência
contemporânea, atual,
consuma toda
a nossa paciência
e desgaste nossas almas
por mais treze vidas.

Nove vezes mais compreensão
para que, em sociedade,
tenhamos a capacidade
de gerar o quádruplo
de vibrações positivas
que impulsionem
atitudes decisivas
para o objetivo de dar e receber
treze vezes mais amor.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Rumo.

A sola do meu pé
revela quase trinta anos
de um zé qualquer
que, na escola,
fez planos que, agora,
não quer mais seguir.

A sorte de fugir
-na hora certa-
é a arte de fingir
que foi embora
sem visível alerta,
imprevisivelmente.

De repente,
o que, aparentemente,
ia bem, agora não tem
mais razão de existir;
não há mais como fluir
como antes, livremente.

O relógio aponta, e por mais
que seja uma afronta,
se faz lógico o desejo
de partida, sem beijo
de despedida,
e nada a comentar.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cuidado.

Peço que não seja tolo;
não se deixe levar
por todo esse rolo,
esse emaranhado
abstrato, um retrato
do bolo de interrogações
que a sua vida se tornou.

A linha de obrigações
sobre a qual se equilibra,
balançou e agora vibra,
reverberando as mesmas
citações vazias
que completam o seu dia
cheio de falsos motivos.

Mantenha-se vivo
e, assim, se orgulhe
das mesmas façanhas
do barato passado;
peço que o embrulhe
no mesmo guardanapo
que guardou para se limpar.

Procure caminhar
segurando a minha mão,
mas com a mesma atenção
de quem não tem ninguém
ao lado, e que está fadado
a continuar sozinho
e perder-se pelo caminho.

domingo, 22 de novembro de 2009

Sorte.

Me sinto bem melhor
promovido para pior;
de plano "a" para plano "b",
orbitando na classe "c"
no dia "d" de minha existência.

Haja paciência para aguentar
o penoso caminhar das horas,
enquanto tudo lá fora
aflora
e, cá, nada dá.

Assim é e será assim;
e dentro de mim
a fibra de quem vibra
com a mínima,
sucinta vitória.

A glória de quem luta
é o mais saboroso fruto
colhido no mesmo minuto
em que, de forma abrupta,
a sorte venceu a morte.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Quadrado.

Vejo quadrados iguais
de partes diferentes
do mesmo antiquado
formato de ângulos
retos, pontiagudos, diretos,
que lembram lugares normais.

Vejo pessoas banais
de pensamento raso,
que mostram descaso
com o (des)entendimento
do que há de mais simples
nas páginas dos jornais.

Quero a substância mais crua,
e que a verdade nua
seja trazida à tona
em meio à fumaça
da lona queimada
pela engrenagem da vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O novo.

Se só agora te desvendo,
de uma vez por todas,
é porque entendo
que já está na hora
de me ocupar contigo.

Prefiro descobrir cada tom,
cada cheiro, cada som
e o gosto especial
de maneira natural,
cada parte em seu tempo.

Se antes me neguei a te ouvir
foi por me sentir incapaz
de forjar satisfação
pela sensação proporcionada
pela tua presença, forçada.

Agora, me sinto leve o suficiente
para me entregar ao desafio
de, contente, te absorver
de forma livre e plena
e, sem fazer cena, curtir.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

"Madness".

Tanta energia empenhada
e quase nada colhido;
muito tempo perdido
pensando em maneiras
de tornar segundas-feiras
sábados, domingos,
para, então, ligeiramente,
descobrir o colorido
de cada um dos dias,
separadamente.

Desperdício? Talvez;
mas, o aprendizado,
malfadado esforço
fundamentado
no princípio do erro
assimilado, corrigido,
pela atitude dirigido
rumo ao bom senso,
é consenso geral
de sabedoria.

Contudo, jamais quero
ter o desgosto reto
de me privar do direito,
preceito básico de quem cria,
de ter a alegria
do momento de insanidade,
sem ter que me preocupar
com a intensidade
do instante citado,
e para que não seja ignorado
seu poder transformador.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Umbigo.

Só porque me considero
mais importante que tudo,
um austero traço egoísta
em meu mundo minimalista,
não me importo contigo.

Não me importo com ninguém;
se alguém se oferece,
me aproveito até o fim
da tola, parca e fulgaz
bondade sincera, mera ferramenta
utilizada para o meu prazer.

Não quero te fazer sofrer,
mas também não pretendo dizer
o que sinto, assim, de mão beijada,
porque, antes de mais nada,
sei que ainda tens muito a me dar.

Sua preocupação, a mim, nada significa
senão a certeza de que amanhã
não será vã a minha busca;
tua admiração, tão grande,
ofusca tua visão racional.

Nada mal para alguém
que pouco luta, muito hesita,
e nada evolui na burra malícia;
que pensa que não dá pista,
e que mais se assemelha a um parasita.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Desapontamento.

Por tanto medo de me desapontar,
por igual vontade de me contentar
com tão forjada imagem, inventada,
alegria disfarçada, fantasiada...
Não me dei conta do que és.

És tão normal quanto um copo d'água,
cheio de mágoa, que bebo
para satisfazer minha sede
de angústia interna por querer
a sensação imediata de amparo afetuoso.

Doloroso é o alento que me resta
nesta ciranda de lembranças
embaraçosas, perniciosas
ao meu inquieto momento emocional;
acima de tudo, irracional.

Nenhuma novidade ao que já se via;
uma fria rede de interesses escusos,
consagrados pelo uso de práticas
contemporâneas, dramáticas provas
de irresponsável desprezo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Determinismo alcoólico.

Bebeu, falou, dançou;
entrou, andou, bebeu,
sorriu, bebeu, gritou.

Bebeu, se ambientou,
cantou, bebeu, fumou,
abraçou, se encostou.

Ouviu, não aceitou;
pensou, não se convenceu.
Hesitou, não perdeu.

Curtiu, delirou;
voltou, se arrependeu.
Lamentou, se desculpou.

Previu, não se preveniu;
chorou, não adiantou.
Refletiu, caminhou, se esqueceu.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Fantasia.

Porque tanto quero,
sincero que sou,
por nada espero neste instante.

Antes que se levante
- mero orgulho próprio -
peço que se pronuncie.

Não inicie uma falsa paisagem,
uma imagem pintada
a tinta-óleo deixada sobre o chão.

Meu sentimento vai na contramão
do seu pensamento vazio, raso;
pueril, por concepção.

Suas viagens fantasiosas
são contagiosas ao meu ego,
cheio de ímpeto aventureiro.

Já é mais de fevereiro
e meu carnaval já acabou
em meio ao tempo verdadeiro.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ressaca.



Amigos, esta
postagem é muito especial. Meu grande amigo, talentosíssimo caricaturista, Lucas Viotto, popularmente conhecido como japonês, me presenteou no meu aniversário com uma caricatura minha. Achei muito engraçada e fiel à figura e me senti muito honrado com tal homenagem. Como comemorei meu aniversário na véspera, decidi colocar nesta postagem um poema sobre a ressaca, experiência pela qual tanto eu quanto ele passamos no dia do meu aniversário, propriamente dito. E, só pra lembrar, visitem o site da fera, http://viottoo.blogspot.com/, vale realmente muito a pena!









Mal posso esperar...
Pelo amargo gosto,
pelo mal exposto,
frente à pálida face
e o corpo a suar.

Tristeza aparente;
ansiedade carente
de quem pouco se lembra
do passado recente
de lições a tomar.

Lembranças curtas;
curvilíneas feições
de passagens escuras.
Meras ilusões,
mascaradas e reais.

Já não aguento mais...
Mas, se hoje tiver,
por mim, por que não?
Me agito em fazer;
já conheço o amanhã.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Um dia, cansei.

Quero novidades menos impressionantes
para que as velhas façanhas de outrora
ainda despertem o meu sorriso.

Vou embora, desta forma, sem intenção
de virar a mesa; sem a aflição de quem
prefere sofrer a não fazer a surpresa.

Minha predileção é pela espontaneidade;
já não tenho mais idade para histórias
mirabolantes sem razão de ser.

Quero ter a certeza de que estou ouvindo
palavras sinceras e que, mesmo sorrindo,
consigo enxergar o viés do palpável.

Nada mais agradável para alguém
que já se cansou de passear pela fantasia
e que hoje anseia por sonhos mais reais.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Equívocos.

Na medida em que acredito
no que é dito por quem ouço,
sempre, atentamente,
sem esboço de censura,
mais duvido do que penso
em minha sóbria mente escura
em momentos de euforia
ou instantes de loucura.

Só me encontro na paúra
de quem não enxerga a cura;
aparente para todos,
para mim um embaçado
espelho despedaçado
de recortes descontínuos
de um rosto machucado
de um homem sem passado.

Só me resta lamentar
todo o tempo que perdi,
os sorrisos que forcei;
quanto me violentei
pra fingir acreditar
que não me equivoquei.
Ainda bem, agora sei
por onde vou caminhar.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Com açúcar.

Seus pensamentos retos
não afetam o que penso
a respeito do afeto
mútuo, entre pares.

Ares de guerra infundada
se afundam num mar de lama,
na chama da falsidade,
queimando pura e infeliz.

O que sempre quis, nunca tive;
mas só vive aquele
que erra muito até, enfim,
acertar, docemente.

Adiante, o que há por vir,
não tenho certezas, somente
a firmeza de quem luta
dia-a-dia para conseguir.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Frações.

Meias-verdades são metade
do que quero ouvir
de alguém que, só de sorrir,
já se revela por inteiro.

Quero que saia desta fantasia
ingrata, incoerente, necessária
para seu ímpeto borbulhante
de desejos conclusivamente sólidos.

O sol é forte e massacrante
para quem caminha no deserto
de idéias vazias, incompletas;
cubos de gelo de racionalidade.

Quero o ambiente frio
o suficiente para que permita
que, ainda, somente uma garrafa
de vinho nos aqueça nesse instante.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Um dia.

Hoje, o dia não sorriu pra mim.

Passou, como se não fosse
de primordial importância
em minha humilde existência
diante da multidão que o contempla.

Achou irrelevante minha angústia
por notícias animadoras
e levou suas horas varrendo,
assim, minhas esperanças.

Não se importou em dizer
que lamenta ou se arrepende,
apenas acenou de forma tímida,
como se eu fosse apenas mais um.

Talvez, seja apenas um dia.
E eu, apenas mais um.

sábado, 30 de maio de 2009

Não leia.

Não quero mais que leia meus poemas
para que levante enigmas
sobre a veracidade dos fatos
ou a intensidade dos atos
nestes relatados com tanto afinco.

Não minto, apenas escrevo
o que sinto no momento
em que me debruço sobre o mar
de idéias irrelevantes
acerca de fantasias humanas.

Cotidianas pequenas peças dramáticas
encenadas no palco do tempo linear,
e preocupadas em transformar sonhos
em realidades menos dolorosas
ao esforçado protagonista.

domingo, 24 de maio de 2009

Sonhos iguais.

Minhas madrugadas são como discos riscados.

Repetem a mesma trilha,
seguidamente, sem aparente
sinal de mudança em curto prazo.

Minha mente está viciada
em produzir o mesmo sonho,
real desejo, porém sem sequer
lampejo de realização imediata.

As datas se sucedem, continuamente,
como se vivesse o mesmo dia
por uma, duas, três semanas
na agonia do observador
faminto pelo que sente.

Estático, só tenho sonhos iguais.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Dor.

Sua presença é tão próxima,
íntima, nítida, envolvente,
que mal me dou conta
de que o que sente
é real e dolorido.

Um grito sofrido de quem
morre silenciosamente
na penumbra da solitária
em que cumpre pena
por crime de amor perpétuo.

O afeto de palavras banais, mas sinceras,
que pronuncio naturalmente, sem pudor,
te causa dor e prolonga a agonia
dos longos dias sem novidades relevantes
ao roto coração que vive às cambalhotas.

Histórias idiotas ao ouvinte comum,
para você, são como mutilações contínuas
de sonhos desenhados a lápis-de-cor
em guardanapos que limparam minha boca
pouco antes de beijar seu triste rosto.

sábado, 2 de maio de 2009

Cinco minutos.

Estava monótona a explicação
naquele outono de abril fresco,
palavras ásperas desde o começo
e o burburinho de animação.

Ela estava sentada, interessada,
desejando apagar os erros de outrora;
não que não quisesse ir embora,
mas parecia firme em sua razão.

Saiu do canto, sentou-se à minha frente;
no meio de tanta gente, me despertou
a atenção imediata do observador
calculista, libidinoso, hormonalmente coerente.

Camisa branca, mangas sobrepostas
à blusa preta e justa de tricot,
harmoniosamente compondo com o jeans
surrado, mas honesto à proposta.

Levantou-se, fechou a janela,
era só ela naquele momento
e o vento bagunçou seus negros cabelos
sobre os marcantes óculos marrons.

Sentou-se novamente, cruzou os braços,
inclinou-se sobre a cadeira de forma a revelar
os pequenos laços de sua calcinha branca
que, de forma inocente, se fazia presente, ligeira.

Exuberantes coxas, longas pernas,
caprichosamente delicadas, entrelaçadas,
e um calçado pé trinta e quatro e meio
nos all-stars pretos, sujos, batidos e até feios.

Virou-se de frente, por um instante,
e, como avalanche, o encanto se foi.
Já não era mais tão interessante
ao imaginário do observador.

Sem explicação. Foi bom enquanto durou.

sábado, 25 de abril de 2009

Mel.

O mel do teu sorriso corrige
todos os traços imperfeitos
humanos, por concepção,
e inibe a crítica natural.

Naturalmente angelical,
teu jeito se faz confortável
a todos que, ali presentes,
contemplam a cena pontual.

Timing perfeito e posição exata
do que é importante ao momento
para as pessoas que, embasbacadas,
invejam o que observam.

Que injustiça é essa, que exclui
os normais e destaca, notadamente,
os excepcionais por natureza,
definindo, assim, a perfeição?

Só nos resta admirar e esperar
por atos menos imperfeitos
diante do choque imediato
de uma situação desigual.

Talvez se esperássemos menos,
se tentássemos mais e melhor,
seríamos mais felizes juntos
e mais juntos diante da felicidade.

Será?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ambigüidade.

A ambigüidade entre o que se pensa
e o que se faz, se manifesta de forma
a tolir qualquer resto de auto-estima
e sentimento de credibilidade própria.

Ambigüidade com trema pra quem
diz que não treme quando colocado
em cheque numa bifurcação
de ritmos diferentes de encarar o tempo.

O vento despenteia os organizados
cabelos de lucidez da personalidade
de alma ambígua e dispersa,
e nada resta a seguir.

Seguindo a linha do instinto feroz
dos altos e baixos de almas cruas,
mulheres nuas povoam o imaginário
ambíguo de quem tudo tem e nada quer.

Também nada faz para ter;
apesar de muito querer por dentro,
não encontra o centro do pensamento,
ambiguamente perdido em seu interior.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Anestesia.

De nada adianta toda essa festa,
toda essa ginga, toda essa farra,
se as amarras que me prendem
são da natural anestesia.

Um misto de euforia e indiferença,
depressão e esperança,
de quem não quer misericórdia,
mas muito espera do apoio alheio.

No esteio das relações laterais
nada mais me entristece
do que o impedimento moral,
barreira de proteção desigual.

Focado e confuso, coeso e difuso,
o discurso se encaminha
para um método alternativo
e disperso em palavras, idéias.

Não há objetividade ao anestesiado,
ao passo que nada dói e nada cura,
nada amanhece a noite escura
da eternamente chuvosa tarde dominical.

terça-feira, 31 de março de 2009

Sobre aquilo.

A pretensão superior
de quem se julga capaz
de definir o amor
com três palavras ou mais
se faz vazia e simplista.

A artimanha, tão comum,
do poder de sintetizar
um sentimento, só mais um,
porém complexo e plural
está fadada a fracassar.

Talvez porque no vai-e-vem
de quem tudo quer e nada tem,
tudo vem e nada comove
o gélido imaginário
conservador e conformista.

O homem médio só é médio
se não consegue resolver
a equação mais importante;
simples conta a fazer.

Numa ponta, o amor
e na outra, a solidão;
se compara toda a dor,
o deserto, o sim e o não,
e se chega à conclusão:

Não se brinca com o tema,
e não será um medíocre poema
que vai curar mais esta dor
ou resolver a questão.